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Os dois discursos pronunciados pelo governador Beto Richa – o primeiro, da posse, na Assem­­bleia, e o segundo, na transmissão do cargo no Palácio Iguaçu – são peças literárias de invejável qualidade. Palavras, frases, vírgulas e pontos nos lugares certos, tudo com a tonalidade adequada que a liturgia do momento exigia. Faltou-lhes, todavia, conteúdo mais concreto do que as profissões de fé e a reafirmação de princípios básicos que compuseram os textos aplaudidos com entusiasmo pelos ilustres presentes às duas cerimônias.

Claro, não se devia esperar que os discursos solenes fossem reduzidos a uma peça de planejamento administrativo ou de anúncio de obras. Mas é claro também que as generalidades neles contidas não contribuíram para dar ao público conhecimento suficiente e efetivo das ações que o novo governo pretende empreender em futuro próximo.

Beto Richa referiu-se vagamente a um certo plano para os primeiros 180 dias da administração – não especificando, entretanto, que prioridades serão de fato atacadas nesse período para corrigir o "reprovável legado" que o governo anterior lhe deixou. Mencionou, a respeito, apenas "obrigação de promover um duro ajuste emergencial, que certamente vai exigir sacrifícios ainda não totalmente dimensionados pela nossa equipe de transição".

Segundo ele, o ajuste a ser realizado será decorrente de "gastos [do governo anterior] que a prudência não recomendaria" e que deprimiram a capacidade de investimento do estado. Disse, contudo, que tal ajuste não será feito à base de aumento de impostos, mas à custa de corte das despesas de custeio. A meta é reduzir em 15% o custeio, "sem que isso afete áreas essenciais, como saúde, educação e segurança pública".

É nesse ponto, exatamente, que reside o vácuo dos discursos em relação ao que pretende o governo fazer nos próximos seis meses – prazo delineado pelo próprio governador empossado. Se não quer aumentar impostos – o que, aliás, seria mesmo legalmente impossível durante o exercício – e se não serão paralisados os programas sociais iniciados pelo antecessor nem prejudicadas outras áreas essenciais, resta mesmo cortar despesas.

É algo que não ficou explicado, mesmo porque também não foram apontados os ralos pelos quais se desperdiçavam até agora os recursos públicos destinados ao custeio.

A promessa é economizar 15% nas despesas de custeio. Lembre-se, a propósito, que 46% do orçamento são destinados à folha do funcionalismo. Verbas carimbadas por determinações constitucionais, como saúde e educação, e transferências para outros poderes consomem outro tanto. Combustíveis, comunicações, cafezinho, água mineral, cartuchos de tinta, material de expediente, despesas de viagem etc. etc. respondem por mais um pedaço significativo do orçamento. Juros e outras obrigações financeiras também entram na conta das despesas. O que sobra para investimentos fica reduzido, assim, a cerca de insuficientes 5%.

O objetivo é aumentar a parcela destinada aos investimentos em obras, certo? Logo, se não se pode cortar as despesas carimbadas nem deixar de pagar as obrigações financeiras – restam dois setores passíveis de ser alcançados pela tesoura dos 15%: funcionalismo e custeio.

Entretanto, não se ouviu nos discursos nenhuma palavra a respeito, por exemplo, de redução de gastos com servidores. Ao contrário. Nem houve proposta concreta em relação ao custeio.

Não se deve desacreditar da solene intenção de Richa de eliminar 15% do que se gasta em custeio. Ficou faltando, no entanto, uma explicação de interesse público: como se procederá a tal corte?

Parece ter ficado claro que a clássica receita de demissão de servidores não está em cogitação. Nem se pensaria em revogar vantagens que se somam aos seus salários. Nada se disse quanto a uma eventual intenção de não preencher todos os 3 mil cargos comissionados, de nomeação política. Seriam suspensas as compras de clipes? O cafezinho nas repartições seria abolido? Viagens a serviço de funcionários seriam sustadas?

Tudo isso parece coisa muito pequena para figurar em discursos com a dimensão solene que a posse e a transmissão requerem. Mas, se houve a proposta concreta de reduzir despesas no montante definido de 15% – seja nos primeiros seis meses ou nos próximos – seria de se esperar que medida de tal impacto fosse melhor explicada. E não foi.

Nem se disse, também, o que uma economia de 15% apenas no custeio representa para melhorar o nível de investimento, capaz de conduzir o Paraná a uma nova etapa de acelerado desenvolvimento.

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