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Uma sessão convocada pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, na última quinta-feira, para debater políticas de combate à epidemia do crack, teve o mérito de trazer a público revelações importantes que explicam em grande parte o sofrimento dos pacientes e das famílias que se veem às voltas com o vício no Paraná. O presidente da comissão, deputado Ney Leprevost, faz um resumo dessas revelações:

- Nos últimos nove anos, o governo estadual não cumpriu a obrigação constitucional de investir 12% do orçamento em programas de saúde. Ficou devendo, neste período, nada menos de R$ 2,7 bilhões.

- O número de leitos destinados a pacientes psiquiátricos é menor do que 1 por município. O estado tem 399 municípios, mas os leitos disponíveis para este fim não chegam a igual quantidade.

A primeira revelação foi feita pelo procurador Marco Antonio Teixeira, coordenador das promotorias do Ministério Público Estadual que acompanham os serviços de saúde pública. Todos os anos ele compara os gastos do governo com o orçamento executado e, desde 2000, constata que o porcentual aplicado no setor fica sempre abaixo do legalmente obrigatório, gerando aquela astrônomica soma.

A magreza de recursos para a saúde pública é, claro, responsável pela generalizada deficiência apresentada pelos serviços públicos. Se recursos desse montante foram sonegados, é evidente que hospitais deixaram de ser concluídos, leitos não foram criados, equipamentos não foram comprados, funcionários não foram contratados.

Este quadro afeta a população em geral. Mas afeta de modo particular também as vítimas do crack – hoje tratadas apenas como um problema policial e não de saúde pública. Segundo se calcula, há no Paraná cerca de 60 mil viciados que poderiam receber tratamento na rede pública não fosse o seu quase total desaparelhamento. Se só há menos de 400 leitos para a especialidade, como atender uma parcela, mínima que fosse, dos 60 mil necessitados?

Entre os presentes à sessão estava também o deputado federal e ex-ministro da Saúde (governo Collor) Alceni Guerra. Foi na sua gestão que o governo deu início à política antimanicomial, pela qual manicômios passaram a ser fechados. Os doentes precisariam ser assistidos pelas próprias famílias ou nos hospitais gerais. Estes, contudo, de acordo com dispositivos legais (no Paraná, há a Lei 11.189), deveriam criar leitos especiais para esse tipo de atendimento. O que, claro, por falta de recursos e outras condições, não aconteceu!

Alceni, hoje, se penitencia da decisão de fechar hospitais psiquiátricos, embora lembre que, na época em que foi ministro, nem se falava em crack. A epidemia – só menor no Brasil do que a de aids na África – veio depois, e atualmente os manicômios fazem falta. É dele, como deputado federal, a autoria de um projeto prestes a ser aprovado que, entre outras medidas, determina o internamento compulsório de viciados.

Na sexta-feira, como primeira iniciativa inspirada nos resultados da reunião da Comissão de Saúde, Leprevost foi à prefeitura com uma proposta: a criação, em Curitiba, de clínicas ("Craques contra o crack" é o nome sugerido) para atender as vítimas do vício.

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A Assembleia, segundo Kafka

Nenhum deputado, nem mesmo aqueles que faziam ou fazem parte da Mesa Executiva, tinha conhecimento do que ocorria na Assem­bleia? Para eles, não existiam funcionários fantasmas, desvio de dinheiro e toda a montanha de irregularidades agora denunciadas? É o que parece: se nunca antes foram tomadas providências saneadoras é porque os deputados realmente de nada sabiam, certo?

Não, não é certo, como comprova essa historinha: em 2003 (portanto, há sete anos!), a prefeitura de Guarapuava contratou a estudante Patricia Nasr, aprovada em concurso recente. Um mês depois, o pagamento do seu primeiro salário foi bloqueado porque se descobriu ser ela funcionária da Assembleia desde 1999, lotada no gabinete do ex-deputado Fernando Ribas Carli (atual prefeito da cidade), com salário de R$ 3.780,00. Patrícia não sabia disso e muito menos percebia o salário, embora este fosse depositado numa conta bancária, de cuja existência ela também desconhecia. Saques eram realizados e declarações de imposto de renda eram entregues à Receita em seu nome.

Tudo isso foi levado ao conhecimento pelo então prefeito de Guarapuava, Victor Hugo Burko, com provas cabais, do então presidente da Assembleia, o hoje conselheiro do Tribunal de Contas Hermas Brandão, e do Ministério Pú­­blico Estadual. Logo, ninguém pode alegar ignorância. E no que resultou essa denúncia? Resultou num processo judicial contra o denunciante, condenado a pagar R$ 40 mil pelos danos morais que teria causado ao bom nome da Assembleia e do seu presidente.

Nem Kafka imaginaria este epílogo.

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