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Enquanto a Câmara de Vereadores de Curitiba se recusa a cumprir sua obrigação de fiscalizar atos da administração municipal, o Tribunal de Contas resolve preencher a lacuna: na sessão do pleno de ontem, os conselheiros aprovaram por unanimidade a criação de uma comissão especial para auditar os contratos de fiscalização do trânsito por radares da cidade. Como, porém, ao contrário do que poderiam fazer os vereadores se criassem uma CPI, o TC tenderá a examinar apenas as formalidades contratuais.

Os auditores do tribunal pegarão lá: o edital de licitação estava nos conformes legais? Não houve fraude na escolha da ganhadora (a Consilux)? O contrato firmado com a empresa seguiu as normas? A empresa cumpriu até o momento as obrigações previstas no contrato? A prefeitura e Urbs, órgãos contratantes, também cumpriram fielmente sua parte?

É quase 100% provável que a auditoria do TC, limitada ao formalismo de praxe, chegue à conclusão que não há irregularidades, mesmo porque o processo de licitação já fora anteriormente acompanhado e aprovado pelo próprio Tribunal de Contas. Logo, sob tais critérios, todos acabarão figurando como inocentes – a prefeitura, a Urbs e a Consilux – e merecedores de um luminoso e emoldurado atestado de boa-conduta.

Mas aí começa a coisa estranha: mesmo que o TC confirme que tudo estava transcorrendo dentro da mais absoluta regularidade formal e moral – como afirmou, por exemplo, o presidente da Urbs, Marcos Isfer –, em 13 março passado a prefeitura de Curitiba mandou suspender o contrato com a Con­­silux.

O prefeito Luciano Ducci estava impressionado com denúncias que saíram na televisão dois dias antes, que envolviam a participação da Consilux em concorrências fraudadas e em manipulação sorrateira de registros de infrações e multas – segundo confessava, na reportagem televisiva, um diretor da própria empresa.

O gesto rápido do prefeito de sustar o contrato mereceu aplausos. Mas tudo ficou sem o esclarecimento necessário. Se, ao contrário do que o prefeito desconfiava, não havia irregularidades, o contrato não precisaria ser rompido. Se havia, como desconfiava a prefeito, tais irregularidades deveriam ser devidamente identificadas, apuradas. No primeiro caso, isto é, se houve cancelamento unilateral de um contrato regular, a empresa tem direito à indenização. Além disso, para não haver descontinuidade no serviço essencial, outra licitação deveria ser feita ou, então – e esta parece ter sido a opção adotada – o serviço seria estatizado, prestado diretamente pela Urbs. Calcula-se o custo desta operação (indenização mais remontagem do serviço) em cerca de R$ 70 milhões para os cofres públicos.

Se, no entanto, as denúncias eram verdadeiras e o prefeito de fato agiu corretamente em defesa da moralidade pública, desrespeitada pela Consilux, era a esta que caberia arcar com as consequências. Incluindo as de indenizar o município pelos danos que causou. A quem competiria extrair a verdade que os papéis e documentos não contam? Por exemplo: quem tomaria depoimentos do diretor da Consilux que admitiu a existência de fraudes? Normalmente – e constitucionalmente – esta tarefa caberia aos vereadores, fiscais eleitos pela população para, além de dar nome a ruas, sobretudo zelar para que os atos do Executivo e dos prestadores de serviços ao município obedeçam aos princípios da legalidade e da moralidade.

A Câmara, pela maioria omissa de seus vereadores, se recusa a cumprir tal papel. E lá vem, então, o Tribunal de Contas para fazer o que os vereadores não querem fazer. Entre outras questões, o grupo de auditores do TC "deverá esclarecer dúvidas sobre como ficou a operação do sistema após a anulação do contrato por parte da prefeitura de Curitiba, quem está arrecadando as multas aplicadas, se há um contrato em vigor, se a antiga prestadora de serviços será indenizada e quem é o proprietário do equipamento", segundo esclarece nota distribuída ontem pelo órgão.

Que acrescenta: "A atenção do TC sobre os radares surgiu há cerca de um mês. Logo que foram divulgadas as primeiras denúncias sobre irregularidades no sistema na capital, o presidente do Tribunal, Fernando Guimarães, determinou que a Diretoria de Contas Municipais oficiasse todas as 19 prefeituras que mantinham contratos com o mesmo teor".

Passados quase dois meses, tudo permanece nebuloso: os radares continuam funcionando; os radares e os softwares são da Consilux; os funcionários que operam o serviço são da Consilux. No entanto, o contrato foi rompido. Mas tudo continua como dantes?

Os vereadores sabem responder?

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