Ninguém sabe ao certo o que Lula fará da vida a partir de janeiro, mas há um convite em especial. Ao deixar a Casa Branca, em janeiro do ano passado, George W. Bush ligou para o brasileiro e o convidou para visitá-lo no Texas. Em retribuição, o petista chamou o colega para pescar no Brasil.
No tête-à-tête, os dois nunca se deram mal. Em 2005, Lula recebeu Bush na Granja do Torto com um churrasco. No cardápio, cortes brasileiros como picanha e alcatra, além de costela desossada e carneiro recheado.
Em 2007, Lula foi o primeiro chefe de Estado latino-americano a ser recebido oficialmente na casa de campo presidencial de Camp David. Eis que Bush foi substituído por Barack Obama, que até chamou o brasileiro de "o cara", mas a empatia já não é a mesma. Talvez porque o democrata tenha problemas demais para ajeitar em casa.
Afagos pessoais, entretanto, não significam entrosamento entre os dois países nos campos político e econômico. Enquanto Lula se esforçava para ser gente fina nos encontros com os presidentes, as diplomacias dos dois países trombavam em Honduras, no Irã e, mais recentemente, na crise cambial entre os EUA e a China. Claro que os gringos entendem o teor desse jogo de cena, como foi revelado pelos documentos do site WikiLeaks.
Os telegramas enviados pelo serviço diplomático dos EUA em Brasília para Washington estão longe de serem estudos bem embasados sobre o governo brasileiro, mas dão o recado. Segundo os relatos, o Itamaraty tem um ranço antiamericanista, mas o Brasil não é omisso na guerra internacional contra o terrorismo. Como diz o título de uma das correspondências secretas que vieram à baila, assinada pela ministra conselheira da Embaixada dos EUA, Lisa Kubiske, o país tem "dois discursos separados".
A questão levantada, no entanto, é mais profunda. O Brasil e os brasileiros, de uma maneira mais ampla, são mesmo antiamericanistas? De novo, a resposta é ambígua.
Por um lado, o sonho de consumo de nove entre dez brasileiros, das classes A à novata C, é viajar para a Disney. E, é claro, poder consumir, consumir e consumir, no típico american way of life. O que também não quer dizer que o povo gosta de um presidente bajulador dos EUA.
Prova disso foi que um dos motes da campanha de Dilma Rousseff batia justamente nessa tecla. "Eles [tucanos] sabiam muito bem se humilhar em inglês na frente dos poderosos. Era só 'pois não' pra cá, 'sim, senhor' pra lá. Ou melhor, 'yes sir, of course'", dizia uma das propagandas eleitorais mais veiculadas pelo PT na televisão.
Depois apareceu Chico Buarque, que justificou o apoio a Dilma porque o Brasil de Lula não fala fino com os norte-americanos, nem grosso com a Bolívia. Mais uma vez, a ideia é mais ou menos certa. O Brasil reclama dos EUA, mas evita críticas à China, que também é vilã da crise cambial (só que, ao mesmo tempo, transformou-se no maior parceiro comercial dos brasileiros).
Em resumo, os petistas têm mesmo raízes antiamericanistas, que foram sendo amenizadas durante a jornada ideológica do partido rumo ao centro. Boa parte dos brasileiros acaba entrando no mesmo barco, por essas e outras razões. É até justificável, desde que não seja juvenil.
Não dá para criticar Guantánamo e, do outro lado da ilha, ser complacente com os presos políticos do regime cubano. Fazer isso é como transformar o Itamaraty em um centro acadêmico. Daqueles em que ninguém sabe acender uma churrasqueira.



