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"Num partido (...) a democracia não se presta ao uso doméstico; ela é, sobretudo, um artigo de exportação."

"(...) Por sua vez, os velhos chefes, cheios de rancor, depois de terem se organizado na surdina, acabam por tomar abertamente a ofensiva."(comentário sobre disputa entre nova geração e velha geração de líderes partidários).

"Os revolucionários de hoje são os reacionários de amanhã."

Os trechos acima são do livro Sociologia dos Partidos Políticos, de Robert Michels. Pensei muito nele enquanto escrevia uma matéria sobre o processo de decisão de candidatos nos partidos – estamos em época de convenções. Esse fantástico texto foi escrito em 1914, dentro da realidade do partido socialista alemão daquela época, estendendo o mesmo pensamento aos demais partidos socialistas do mundo. Não é a toa que se tornou um texto clássico, pois, com algumas diferenças de linguagem e compreendido dentro de outra época, poderia ter sido escrito hoje.

Michels faz uma afirmação, de forma resignada, de que toda a organização partidária é oligárquica. O que é uma contradição fundamental para partidos que lutam pela democracia, mas que no interior de sua organização acabam inevitavelmente no sentido contrário do que proclamam para a sociedade.

É o que assistimos hoje. Lendo os regimentos partidários e ouvindo os discursos, percebe-se a intenção teórica de diversos partidos em conservar instrumentos democráticos de escolha, como na decisão dos candidatos a prefeito e vereadores. Mas, na prática, a teoria é outra. Diretórios nacionais impedem que prefeitos se candidatem à reeleição, velhos caciques da política determinam os nomes para a disputa, não levando em consideração as outras opções. Negociações para alianças que não fazem sentido ideológico.

Os chefes, esses grandes líderes, sempre existiram e centralizaram as decisões. Adquirem o hábito de eleição para os cargos de direção, o que acaba se tornando um direito. Essa apropriação de cargos de direção, e, estendendo para o tempo atual, para todos os cargos públicos, ocorre também porque o número de pessoas que se interessam pelos assuntos públicos é insignificante. A confiança no dirigente, na autoridade, é reflexo da ausência de senso crítico, da falta de disposição para a participação na organização social.

Assim continuamos vendo as mesmas figuras dando as cartas na política. A justificativa desse processo, desde 1914, era que um partido que muda seus chefes com frequência corre risco de não conseguir fazer alianças. Fica sem estabilidade, o que dificulta mobilização.

Nada mudou. Na teoria fatalista de Michels, não há muita solução para esse problema. Quando novos chefes alcançam seu fim e conseguem derrubar a tirania dos antecessores, tornam-se iguais a eles. E por que Michels diz que isso é inevitável? Porque o desejo de dominar é da alma humana. O autor defende que a democracia é um ideal inatingível, que a troca de governantes é como mudar o pároco sem trocar a música.

Devemos ler e olhar para essa análise e para essa falta de renovação da prática partidária como uma forma de reflexão. Será que Michels está certo e os partidos são e serão sempre regidos por oligarquias, estruturas nada democráticas? A sociedade será mera observadora, às vezes crítica, e na maior parte das vezes indiferente, ao que ocorre no mundo da política?

O colunista André Gonçalves está de férias e volta a escrever neste espaço dia 29 de junho.

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