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Em ambos os casos, o governo fingiu que não viu nem ouviu um fato grave: duas entidades internacionais, a Repórteres Sem Fronteiras – maior ONG internacional de defesa da liberdade de imprensa – e a Human Rights Watch – entidade de atuação tradicional na proteção dos direitos humanos mundo afora – em menos de uma semana chamaram o país às falas no tocante às regras do Estado de Direito.

Comuns na época da ditadura, manifestações dessa natureza não eram mais necessárias desde a redemocratização. O Brasil continua recebendo cobranças de providências em relação a trabalho escravo, trabalho infantil e torturas a presos comuns. Mas reparos de ordem política de organismos internacionais já não faziam parte do cardápio de deformações a serem corrigidas.

Voltamos, portanto, no tempo. Na semana passada, o presidente da Repórteres sem Fronteiras alertou, em carta enviada ao presidente Luiz Inácio da Silva, para a necessidade do "retorno ao bom senso", pois a decisão do PT pareceu "inoportuna, sem fundamento", em desacordo "com um partido democrático" e preocupante do ponto de vista de suas conseqüências para a preservação do princípio da liberdade de expressão.

Ao que se saiba, não obteve resposta.

Nesta semana, a Human Rights pediu uma investigação profunda, "feita por uma comissão independente", com fiscalização do Congresso e do Judiciário – ou seja, explicitando desconfiança no tocante ao Poder Executivo – para esclarecer as razões da volta dos atletas Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara que abandonaram a delegação de Cuba no Pan-americano.

As autoridades brasileiras, neste caso, reagiram ao molde de Pôncio Pilatos. O chanceler Celso Amorim alegou desconhecer detalhes e deu-se por satisfeito com o que ouviu dizer: que os boxeadores quiseram voltar a Cuba.

O ministro da Justiça, Tarso Genro, incorporou a versão mais interessante ao governo cubano – a do desejo espontâneo de volta –, mas ninguém do governo explicou porque os pugilistas foram mantidos fora do alcance da imprensa ou de entidades como a OAB. Ninguém considerou necessário tampouco esmiuçar o caso ou se manifestar a respeito das razões pelas quais estrangeiros com vistos válidos foram detidos e mantidos incomunicáveis.

Diversas pessoas já disseram o mesmo, mas vale repetir: tal atitude não é da tradição brasileira para com estrangeiros. E, da forma como agiu, o governo Lula foi, no mínimo, indiferente ao esclarecimento de um caso que pode não ser nada, mas pode significar também muito no que tange ao trato para com estrangeiros, estejam eles em trânsito ou queiram eles abrigo.

Não sabemos exatamente o que houve. Mas é certo que alguma coisa de muito errada há quando um país democrático toma atitudes que obrigam entidades internacionais a se manifestarem cobrando o respeito aos preceitos mínimos vigentes em um Estado de Direito.

Da mesma forma como a luta política do PT não dá ao partido a prerrogativa de avocar a si a tarefa de balizar o trabalho dos meios de comunicação privados, a amizade de petistas com Fidel Castro não pode levar o Brasil a se confundir com a ditadura que se mantém, entre outros métodos, a poder da subtração dos direitos de seus cidadãos, entre os quais está o de ir-e-vir.

O governo brasileiro poderia muito bem levar em conta as manifestações dessas entidades sem enxergar nelas a ação de conspiradores internacionais. Mais não seja para demonstrar que as preocupações são infundadas.

Contra-reforma

Os dois itens que sobraram da assim chamada reforma política e estavam ontem para ser votados na Câmara dos Deputados são protótipos da anti-reforma: a fidelidade partidária válida por três anos com liberação geral ao troca-troca no último ano do mandato do parlamentar e o financiamento público só para campanhas majoritárias.

São, na visão do presidente do PPS, Roberto Freire, "dejetos" do projeto original e do propósito de realmente aperfeiçoar o sistema eleitoral.

A fidelidade parcial é auto-explicativa, e o financiamento público para majoritários e a manutenção do sistema atual para os candidatos proporcionais não muda nada. Ou pior, só acresce dinheiro do Orçamento para campanhas que poderão perfeitamente continuar recebendo financiamento privado por meio dos candidatos proporcionais aliados aos majoritários.

Caso a fidelidade seja aprovada tal como está antes de o Supremo Tribunal Federal se manifestar sobre a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral de que o mandato pertence aos partidos e, portanto, é vedado o troca-troca, Roberto Freire tem pronta uma ação direta de inconstitucionalidade para questionar a lei com base na posição do TSE.

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