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Os três dias de turnê eleitoral do presidente Luiz Inácio da Silva pelas cercanias do Velho Chico esclareceram uma situação até então algo enigmática: a razão da ansiedade do PMDB em fechar logo a aliança em torno de uma candidatura em tese frágil, e da tranquilidade do PT ante um cenário aparentemente adverso, em que pela primeira vez não teria Lula como candidato à Presidência da República.

Pois é, não teria, porque de fato terá. De direito, Lula está impedido de concorrer a um novo mandato consecutivo e a reação às mal disfarçadas tentativas mostraram que haveria percalços intransponíveis no caminho. Escolheu uma candidatura anódina, materializada na figura de uma companheira fiel, sem passado, presente nem futuro no campo político-eleitoral.

Houve quem pensasse até que Lula desistira temporariamente do poder, conformando-se com a hipótese de entregá-lo por quatro anos à oposição mediante acordo prévio de não agressão, para apostar na volta em 2014, com campanha durante a Copa no Brasil e presidindo em 2016 o Brasil da Olimpíada.

Quanto à segunda parte, o cálculo confere. Já quanto à primeira, o próprio Lula tratou de esclarecer nos dias de caravana: errou quem pensou que fosse homem de desistir. Ou adepto de previsões tolinhas como as que fizeram certos tucanos, achando que transferência e retomada de poder são atos automáticos passíveis de controle.

O plano do presidente é muito mais sofisticado e agora ficou evidente: oficialmente Dilma Rousseff é a candidata – um nome na tela da máquina de votação –, mas, na prática, quem concorre no imaginário do eleitorado é ele mesmo.

Daí a decisão de estabelecer pessoalmente o contraditório com o hoje mais provável candidato do PSDB, o governador José Serra, de partir para o ataque direto à oposição, de assumir com todas as letras o desejo de fazer da eleição um plebiscito, na base do "nós" contra "eles".

Como é presidente, legalmente o representante da Nação, Lula usa o "nós" como sinônimo de Brasil. Subjacente à palavra de ordem lançada simbolicamente às margens do São Francisco está o seguinte conceito: quem estiver co(nos)co é brasileiro de fé, mas quem se aliar a "eles" põe em risco o futuro da Pátria.

O recado foi passado dia desses pela própria Dilma em reunião com um dos partidos aliados, dizendo que sua candidatura deveria ser vista como a possibilidade de um "terceiro mandato" de Lula. Daí que ninguém deve estranhar o papel coadjuvante de Dilma nos eventos públicos nem deve se espantar se o presidente tomar conta da cena inteira. Esta é mesmo a ideia: brigar por um terceiro mandato "de fato".

Pode dar certo, mas se der errado será um vexame danado.

Formalidades

A antecipação da campanha eleitoral de 2010, nos termos em que ocorre, dizima o principal argumento dos defensores do fim do instituto da reeleição. Segundo eles, a reeleição é a raiz do problema do uso das prerrogativas de um governante para fins eleitorais.

A conduta do governo federal é a prova cabal de que o abuso do poder independe de o ocupante do cargo ser ou não o candidato na eleição subsequente.

No caso da campanha do presidente Lula para transformar a ministra Dilma Rousseff numa candidata competitiva, ocorre mesmo um fato inédito, pois na reeleição de direito Lula foi bem mais contido.

Alega-se que é impossível separar o governante do candidato. De certa forma é verdade, embora haja meios e modos de balizar comportamentos quando se observam os preceitos da impessoalidade e da probidade.

Isso depende dos controles sociais e institucionais, mas depende, sobretudo, da noção de limite entre o público e o privado do ocupante do cargo. Quando essa noção inexiste, tanto faz como tanto fez.

Gato e rato

Não pode ser vista como normal uma situação em que deputados e senadores de oposição tenham de recorrer à clandestinidade para assegurar assinaturas em requerimento para criação de uma comissão parlamentar de inquérito.

Tampouco é natural que um líder da oposição precise convencer o presidente do Congresso a marcar uma sessão do Congresso. No caso, para oficializar a criação da referida CPI.

São tantas as deformações que não se vê nada demais em mais essa distorção: esconder as assinaturas em favor da instalação da CPI do MST para "proteger" os parlamentares da pressão do governo para que as retirem, como fez na primeira tentativa de criação da CPI, antes da exibição das imagens da destruição do laranjal na fazenda da Cutrale.

Deputados e senadores eleitos, donos de imunidade parlamentar e de representação popular, precisam ser protegidos contra a ação do Palácio do Planalto.

E aí fica difícil o desempate de quem se sai pior: o gato que caça ou o rato que foge.

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