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Assisti, em formato DVD, à montagem que o Grupo Galpão, de Belo Horizonte, fez da peça Romeu e Julieta no Teatro Globe de Londres. Já havia assistido a ela ao vivo, há mais de 20 anos, no Festival de Teatro de Curitiba.

É bom rever trabalhos antigos porque isso nos dá um distanciamento histórico e nos deixa livres das opiniões do momento, das resenhas, das críticas e até da emoção, principalmente quando se trata de trabalhos do Grupo Galpão, sempre primorosos.

A peça Romeu e Julieta, encenada sob o ponto de vista brasileiro, traz toda a malícia, espontaneidade e espírito brincalhão do nosso povo. A Verona medieval foi trocada por uma velha camioneta Chevrolet C-14 carregada de imagens de espíritos-santos, feitas em papel colorido. Uma mistura de vestimentas inglesas com adereços tupiniquins cercada de cantorias populares. O tema "flor, minha flor..." fica ecoando em nossos ouvidos muito tempo depois de a peça terminada. Vi no DVD a atriz inglesa Vanessa Redgrave cantando "flor, minha flor" ao sair do teatro.

Só um povo, que é ao mesmo tempo religioso e irreverente ao extremo, poderia dar este ar tão engraçado e solto à mais conhecida peça do mestre Shakespeare e em seu próprio quintal. Podem-se ver no espetáculo as raízes da nossa cultura saltando para fora e galgando ares universais.

Revi também o filme Central do Brasil e sua imensa riqueza de personagens e cenários. Ali nosso povo se apresenta com todos os seus pecados, defeitos, medos, crenças e afetos. Uma gente sofrida, mas carinhosa para consigo mesmo. Numa fala autêntica, o Brasil se mostra exótico para si próprio. Uma força oriunda do chão, da terra e dos coloridos refletidos pela intensa luz solar que nos banha. Somos assim, mal-amados, melancólicos, carentes de afeto e resignados. Quando alguém nos dá a mão e nos recebe com um abraço, nos entregamos de vez. Há sempre uma esperança no olhar de um brasileiro.

Também acompanho de per­to, desde que fizemos uma palestra juntos, em São Paulo, a um grupo de interessados no mercado do artesanato, os trabalhos do estilista mineiro Ronaldo Fraga. Ora ele apresenta sua moda inspirada no Rio São Francisco, na qual roupas são produzidas com tecido que imita escamas de peixe, ora se apropria dos desenhos dos ladrilhos hidráulicos. Nada tão brasileiro, nada tão contemporâneo e internacional ao mesmo tempo.

O refinamento da arte brasileira só vai ser possível se nos debruçarmos sobre as nuances culturais do nosso povo. É nas entrelinhas que está o recado. O Grupo Galpão, Walter Salles e Ronaldo Fraga souberam ver isso com maestria, buscando no interior do nosso país os elementos que compõem suas obras. É possível fazer trabalhos universais com motivos brasileiros quando o artista se dispõe a trabalhar duro, garimpar conceitos e ir fundo na busca das nossas raízes. Sem preconceitos e sem vergonha da sua terra e da sua gente. O antropólogo Claude Lévi-Strauss falou há muito tempo: "Pobres dos brasileiros, querem tanto ser europeus, mas não sabem o quanto são originais".

A colunista Marleth Silva está de férias e volta a escrever em 16 de junho

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