• Carregando...

No retorno das festas carnavalescas, a Assem­­bleia Legislativa do Pa­­raná bem que poderia realizar uma reforma para lá de necessária na Lei da Ficha Limpa estadual. A regra, sancionada pe­­lo governador Beto Richa (PSDB) em 6 de dezembro do ano passado, proíbe o governo do estado de nomear para cargo em comissão pessoas que receberam condenação definitiva por atos de improbidade administrativa, após a publicação da lei. Entre­­tanto, a norma terá de ser alterada, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu ser constitucional o dispositivo da Lei Complementar 135 que impede condenados por um colegiado de magistrados a se candidatar para cargos públicos. Os deputados já deram sinais que podem realizar essa mudança, mas seria bom que apro­­veitassem a oportunidade para ampliar a proibição de nomear fichas sujas para comissionados, a fim de atingir todos os municípios paranaenses.

Impedir que prefeitos e vereadores do Paraná possam nomear fichas-sujas para cargos de confiança, evitaria polêmicas desnecessárias como aquela ocorrida em Iretama, divulgada pela Gazeta do Povo no sábado passado. A Câmara de Iretama aprovou, em primeiro turno, uma emenda que retira da Lei Orgânica do município a proibição de pessoas com ficha suja serem nomeadas para cargos em comissão. A justificativa dos ve­­readores é que a regra havia sido criada para atingir apenas uma pessoa – o atual secretário de Saúde da cidade – que teve as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas em 2003.

É absurdo o argumento dos vereadores. Primeiro porque a proibição de fichas-sujas prevista na Lei Orgânica é genérica e vale para todos os que se enquadrarem na situação preestabelecida. Segundo porque o município é pequeno, com população de pouco mais de 10 mil habitantes e, em uma cidade de dimensões modestas, é natural que sejam mais raras as condenações por atos lesivos ao patrimônio público. Portanto, o fato de apenas uma pessoa hoje ser afetada pela proibição dos fichas-sujas, não significa objetivamente que a regra foi feita contra ela.

Ao derrubar a Ficha Limpa municipal com a intenção de su­­postamente corrigir uma injustiça, a Câmara de Iretama comete um mal maior – o de abrir as portas da administração pública a pessoas que já tiveram seus maus comportamentos comprovados na condução dos negócios públicos.

Possíveis obstáculos

É possível que ao estender a Lei da Ficha Limpa estadual para os municípios, possa ter de se en­­frentar alguns obstáculos. Há quem diga que a ampliação da Ficha Limpa estadual para as pre­­feituras resultaria em uma invasão indevida sobre a competência legislativa dos municípios. Pa­­ra aqueles que pensam assim, o assunto deveria ser tratado pelos vereadores em cada uma das câmaras municipais. Isso por­­que uma lei estadual es­­taria interferindo de forma indevida na auto-organização dos municípios.

Pode até ser verdade. Porém, até uma possível disputa judicial sobre a invasão de competência ter fim, a regra da ficha limpa estaria evitando que prefeitos incautos cometessem a barbaridade de nomear pessoas já condenadas.

De outro lado, a eventual discussão sobre validade da Lei da Ficha Limpa estadual para os municípios não deveria ser motivo para que a Assembleia evitasse legislar sobre o tema. Projetos flagrantemente inconstitucionais, como o plano de previdência dos deputados, já foram votados e aprovados pela Casa no passado. Então, seria no mínimo estranho usar o argumento da in­­constitucionalidade da proposta. Até porque, como já se viu, a norma só trará benefícios para a administração pública.

Cultura da prudência

Esse debate todo, entretanto, está fora de foco. É até ultrajante para o leitor ter de enfrentar tantas linhas sobre o tema.

Não deveria ser necessário que a sociedade tivesse de pressionar os Poderes Legislativos – nacional, estadual ou municipal – para que produzissem leis contra fichas sujas na política ou na administração pública. Partidos políticos jamais deveriam dar legenda para fichas-sujas se candidatarem. E governantes eleitos jamais deveriam empregá-los em suas administrações. É desconcertante o fato que governantes possam desprezar a noção de moralidade púbica, ao admitir em cargos de confiança pessoas já condenadas em segunda instância, por colegiados de magistrados ou pelo Tribunal de Contas do Estado. Confiar em pessoas que comprovadamente cometeram ilegalidades não parece sensato nem prudente. Só mesmo aqui, no Brasil, precisamos de leis para proibir o óbvio. *Publique-se* Mande e-mails – rhodrigodeda@gmail.com; publique no Twitter (#ocorodamultidao) ou na página da coluna no Facebook (digite "O Coro da Multidão" da barra de pesquisa)

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]