As passeatas podem continuar a acontecer nos próximos dias ou meses, mas as votações desta semana no Congresso Nacional parecem ter conseguido acalmar os ânimos nas ruas. Pressionados, os parlamentares iniciaram um esforço concentrado para trabalhar em uma pauta positiva e aprovar projetos que representem avanços para a democracia brasileira. É provável que esse esforço prossiga por um tempo. Mas, em algum momento, quando tudo parecer estiver voltando à normalidade, os eleitos irão se sentir confiantes de novo e vão ficar tentados a interromper esse processo de moralização.
As manifestações de rua serviram como ponto de ruptura no imaginário do brasileiro apático, que não se interessa por política. O esforço de ir para rua aos milhares se mostrou viável e começou a preocupar a classe política em Brasília e nos estados. Só que ir para as ruas é apenas um dos modos de manifestar interesse pela política. E pode não ser sustentável no longo prazo.
Há outras formas igualmente importantes, que, se negligenciadas, podem dar razão aos críticos das passeatas. Tem quem diga que não houve o despertar cívico da sociedade, mas apenas "um espasmo do gigante" que logo voltará a dormir.
A prática política do cidadão pode ser feita no cotidiano. Toda a vez que parlamentares se reúnem para analisar projetos de lei e discutir o orçamento, há oportunidades de o cidadão interferir e defender seus interesses. Isso pode ser feito tanto diretamente, protestando nas galerias da Casa Legislativa, como virtualmente, enviando e-mail, fax, ou cartas para os parlamentares.
É possível também fazer um acompanhamento da atividade de políticos, verificando listas de presença, agenda de trabalho, gastos com verba de ressarcimento. Esses dados deveriam estar disponíveis para consulta na internet. Se não estiverem, basta pedir as informações via Lei de Acesso. Além disso, projetos de "adoção de políticos", como o que existe em Brasília (o Adote um Distrital) são importantes meio de controle da atividade parlamentar.
Embora os manifestantes mostrem aversão à política partidária, muito do que combatem hoje somente está ocorrendo porque as legendas deixaram de ser uma opção desejável para grande parte dos cidadãos. E talvez esse tenha sido um equívoco pelo qual agora o país paga um preço muito caro. Ingressar em partidos já existentes ou mesmo criar uma sigla que inspire os ideiais desse "gigante que acordou" são alternativas que não deveriam ser descartadas. É importante dizer também que uma reforma política que democratizasse os partidos seria bem vinda.
Se nada disso interessar, mesmo assim é preciso manter o interesse pela política. Manter-se informado é uma boa forma de evitar o protesto pelo simples fato de que é muito divertido protestar. Mas se até isso for negligenciado, o bordão "o gigante acordou" será uma mentira. A verdade será que estaremos diante de um anão, cuja sombra parece ser a de gigante.



