Aconteceu: prefeitos e governadores que não conseguem gerir as contas públicas ganharam na loteria. Vão poder sacar dinheiro de terceiros que normalmente fica sob guarda do Judiciário. A estimativa é que sejam injetados R$ 21 bilhões em recursos em todos os estados e municípios. A prioridade é pagar precatórios, o que vai dar um fôlego financeiro para pagamento de despesas correntes ou investimentos, dependendo da boa vontade/inteligência/planejamento do governante. Mas, vendo os descalabros nas contas públicas por aí, você põe a mão no fogo por algum prefeito ou governador? Acha que ele vai gerir bem um montante extra de recursos?

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O presente foi concedido pela presidente Dilma Rousseff, que, combalida e sem ter para onde correr, propôs uma moeda de troca aos governadores. Eles atuariam para controlar as bancadas e evitar que projetos que onerem as finanças públicas fossem aprovados no Congresso. Ela se comprometeu a aprovar medidas que aliviam os cofres estaduais.

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Já vimos a força dos governadores: o Planalto foi escrachado em uma votação que aumentou o salário de uma categoria de servidores – a discussão não é sobre o mérito, nem qual categoria; o fato é que neste momento de ajuste fiscal projeto semelhante não poderia passar. O texto teve 445 votos favoráveis e apenas 16 contrários.

Então, mesmo sem ter ajudado em nada o governo federal, os governadores (e prefeitos, de lambuja), ganharam acesso aos depósitos judiciais. A proposta original era do senador José Serra (PSDB-SP), mas acabou sendo incluída em outro projeto e virou a Lei n.º 151/2015, que trata também dos novos indexadores nas dívidas de estados e municípios.

Pela lei, os governantes podem usar 70% dos depósitos judiciais, que são, basicamente, valores que ficam sob custódia da Justiça enquanto não é decidido o mérito de uma ação. Claro, precisam devolver, com correção. E aí está pronta a armadilha.

O governador Beto Richa (PSDB) já tinha tentado usar os depósitos judiciais para aumentar o caixa do governo. A iniciativa, já muito criticada neste espaço, foi barrada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Um dos argumentos apresentados por Richa à época era de que a estratégia já era usada pelo governo federal e pelo Rio Grande do Sul.

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Sim, o Rio Grande do Sul, que nesta semana ficou sem escolas, sem polícia nas ruas e com os serviços públicos afetados, em movimento contra a decisão do governo gaúcho de parcelar o pagamento do funcionalismo em agosto. O estado gaúcho tem uma dívida histórica, que se agravou nos últimos anos com o uso desmedido dos saques de depósitos judiciais.

É como se uma pessoa estivesse com a fatura do cartão de crédito em atraso e começasse a usar o cheque especial para pagar o cartão de crédito. Agora as duas dívidas cresceram tanto que não há dinheiro nem para as necessidades básicas. No caso do Rio Grande do Sul, o cartão de crédito é a dívida histórica, o cheque especial, os depósitos judiciais (que começaram a ser usados em 2004), e as necessidades básicas o custeio da máquina: pagamento de funcionários, fornecedores, manutenção da educação e saúde públicas, etc.

O secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, disse, em abril, segundo o jornal Zero Hora: “O estado está intoxicado pelos depósitos judiciais”. No mesmo texto, lê-se que em 11 anos o Rio Grande do Sul sacou R$ 8,3 bilhões e pagou nada menos do que R$ 2,9 bilhões em juros. Não, pera aí, é preciso uma exclamação: R$ 2,9 bilhões em juros!

A dívida é tão grande que os gaúchos dizem que só conseguem pagá-la usando recursos... dos depósitos judiciais novamente (caso de exclamação, novamente). Há um projeto para elevar a parcela sugada pelo estado: de 85% para 95%.

É uma aberração. Segundo estudo feito pelo economista Darcy Carvalho dos Santos (Chegamos ao fundo do poço?), o principal problema foi usar uma despesa finita (os depósitos) para financiar despesas permanentes, como reajustes ao funcionalismo. “É a maldição do dinheiro fácil”, diz.

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Para os governantes que poderão contar com o dinheiro a partir de agora, é o melhor dos mundos: obtêm dinheiro para finalmente mostrar alguma realização à população, e a dívida fica para o futuro. Mas uma hora o futuro chega. Que o diga o atual governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori, e os funcionários públicos gaúchos, que não conseguem receber seus salários.

Observação: Originalmente o texto dizia que os governos não têm relação com o dinheiro dos depósitos judiciais, mas esta informação está errada. A Lei Federal nº 151/2015 permite acesso somente aos depósitos judiciais nos quais os estados e municípios sejam parte. O uso de depósitos judiciais de terceiros estava previsto no projeto de lei do governo estadual que foi suspenso pelo CNJ. De todo modo, há o risco das administrações públicas utilizarem uma fonte finita de recursos para custear a máquina pública.