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75 anos, as comissões parlamentares de inquérito (CPIs) eram estabelecidas, pela primeira vez, numa Constituição brasileira. Acolhidas pela lei fundamental promulgada em julho de 1934, as CPIs foram institucionalizadas no País por influência direta da jurisprudência anglo-saxônica, 45 anos após a Proclamação da República. Após sete décadas e um processo de popularização com as transmissões ao vivo pela TV, especialistas em CPIs e os próprios parlamentares defendem mudanças para que o trabalho desses grupos seja aprimorado, não caia no esquecimento e nem substitua o papel do Parlamento de legislar.

No início, a prática desse mecanismo constitucional era prerrogativa apenas da Câmara dos Deputados. Ao Senado, cabia somente criá-las. As investigações competiam à Câmara, que também tinha o poder de instituí-las. A carta constitucional de 1937 - decretada pelo presidente Getúlio Vargas e chamada de "Constituição Polaca" por ter sido baseada na Constituição autoritária da Polônia - foi omissa quanto ao poder de investigação do Congresso. Após o Estado Novo, as CPIs voltaram com força total na Carta de 1946, previstas, pela primeira vez, para as duas Casas do Legislativo.

Apesar desse vácuo de nove anos, a Câmara tem registradas, oficialmente, 357 comissões parlamentares desde 1934. As primeiras comissões de inquérito de que se tem notícia investigaram a vida dos trabalhadores urbanos e agrícolas e as condições dos serviços industriais do País. Foram as duas únicas CPIs que concluíram os trabalhos de 1934 a 1937. Nesses três anos, foram também formadas comissões para averiguar a Marinha Mercante e a repressão ao comunismo. Mas não vingaram.

O Senado não tem um levantamento fechado do total de CPIs da história da Casa, mas, numa pesquisa parcial, entre 1952 e 2005, foram feitas pelo menos 196 CPIs. Em todos esses anos, o País produziu CPI para tudo. Entre elas, foram criadas CPIs para investigar a discriminação contra nordestinos que emigraram para o Sul, os aspectos da economia açucareira, espancamento de marinheiros, fuzileiros e trabalhadores no Arsenal da Marinha, a crise na Panair do Brasil S.A e o movimento separatista no Acre.

Pizza

De acordo com o professor de Direito Constitucional Sérgio Resende de Barros, mestre e doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e administrador graduado pela Universidade Mackenzie, apesar da contribuição "altamente positiva e grandemente democrática" das CPIs, há a necessidade de um aprimoramento do mecanismo. Defensor das CPIs, Barros defende o envio do relatório final das comissões diretamente à Procuradoria-Geral da República (PGR), independente da aprovação ou rejeição pelos plenários do Legislativo, que podem determinar o arquivamento ou a remessa para o Ministério Público Federal (MPF).

"Atualmente, eles (deputados e senadores) enviam para o MPF se quiserem. Muitas vezes, quando chega ao fim dos trabalhos, a maioria no Congresso vem com o rolo compressor e não manda o relatório final para o MPF", afirma. Mesmo assim, para ele, o senso comum de que CPI "dá em pizza" mostra que há uma noção errada sobre a função dessas comissões. "Acham que a CPI tem de punir, não entendem a finalidade dela. Quem pune é o Judiciário e não a CPI. E quem denuncia é o MP." Sérgio Resende criticou ainda o "vedetismo" por parte de alguns parlamentares que, no seu entender, aproveitam as comissões televisionadas para se promover eleitoralmente.

Na opinião do advogado José Alfredo de Oliveira Baracho Junior, mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as CPIs estão sobrecarregadas. Segundo ele, a função legislativa hoje é quase totalmente vista por meio das comissões de inquérito. "A CPI não pode ser o único espaço de atuação legislativa. O Congresso tem outras funções importantes, como discutir e votar projetos e emendas. Esse papel tem sido pouco exercido", considera.

Baracho Junior cita que na CPI do caso PC Farias, que investigou a influência do empresário Paulo César Farias durante o mandato do ex-presidente Fernando Collor de Mello, atual senador pelo PTB de Alagoas, o Congresso "praticamente não legislou, viveu em função desta CPI". Outras comissões que tomaram quase todo o trabalho do Legislativo foram a do Orçamento, que revelou os chamados "anões" que controlavam a peça orçamentária, e a dos Correios, que apurou a suposta compra de votos de deputados e que resultou na denúncia de 40 acusados ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Falhas

O vice-presidente da CPI da Pedofilia, senador Romeu Tuma (PTB-SP), defende o mecanismo dessas comissões, mas aponta como uma das falhas a possibilidade de apresentação do relatório em separado. "Às vezes, toda a apuração da CPI cai por terra porque algum parlamentar decide fazer um relatório em separado. Eu acho que todos os relatórios devem ser remetidos ao MP", considera. No entanto, para Tuma, a CPI é mais "extensiva" do que os demais órgãos de fiscalização do Poder Executivo, como os Tribunais de Contas da União (TCU) e dos Estados (TCEs).

Para o presidente da CPI das Escutas Telefônicas, deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), as comissões de inquérito devem ser fortalecidas. Ele defende, por exemplo, que os dados apurados por quebra judicial de sigilo sejam compartilhados com as CPIs. De acordo com ele, isso fortalece o papel da comissão e dá a ela o mesmo poder que tem o Judiciário. "CPI é um instrumento fundamental da democracia e tem sido muito bem utilizado em várias partes do mundo, assim como no Brasil", ressalta. "É uma forma de expor e dar transparência, colocar à população que você representa fatos relativos ao interesse público."

A voz destoante é a do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). O peemedebista discorda da visão de Itagiba quanto aos poderes jurisdicionais. Para Temer, as CPIs estão "na medida certa" quanto à faculdade de fiscalizar. "Elas não podem exercer funções judiciais. Por isso, prestam o papel adequado", reitera. De acordo com ele, as comissões de inquérito exercem uma das principais funções do Congresso, a de fiscalizar. "As CPIs que têm sido instaladas têm levado muito em conta a seriedade da direção", defende.

Império

Embora as CPIs tenham sido inseridas na Constituição de 1934, no Império havia fiscalizações feitas pelo Legislativo, mas nenhuma delas tinha como foco o Poder Executivo A Constituição Imperial de 1824 era omissa quanto a CPIs. Na República, entre 1891 e 1930, mesmo sem uma previsão constitucional, foram sugeridas na Câmara 19 inquéritos parlamentares, centrados em assuntos como as companhias de seguro de vida, as irregularidades em alfândegas, Receita Federal, Banco da República, entre outros. Mas nem de longe tinham o poder das atuais comissões.

Após a Nova República, a gestão que mais teve CPIs na Câmara foi a de Collor. Foram 19 comissões, com 16 concluídas, entre elas a de PC Farias, que culminou com a renúncia do então presidente. No primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, houve quatro comissões, todas concluídas. Na segunda gestão tucana, foram 25 CPIs, mas apenas nove produziram relatório. No governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram nove comissões no primeiro mandato, com oito concluídas. No segundo mandato, até agora, o placar foi o mesmo, de acordo com a Câmara. A assessoria do Senado informou que a Casa não tem o balanço das CPIs nesse período.

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