| Foto: Foto: Antonio More/Arte: Osvalter Urbinati

A prisão do empresário Marcelo Odebrecht, em 19 de junho do ano passado, deixou boquiabertos os setores empresariais e políticos do Brasil, mas não foi capaz, de imediato, de desvendar todos os detalhes do envolvimento da maior empreiteira do país nos casos de corrupção investigados pela Lava Jato. O nome da fase da Lava Jato que prendeu o maior empreiteiro do país foi mais do que simbólico: Erga Omnes, expressão em latim que significa “vale para todos”. Assim, nem mesmo um integrante do grupo dos dez brasileiros mais ricos, com uma fortuna pessoal estimada em R$ 14 bilhões, escaparia das garras da Justiça. Mas a decisão de colaborar com as investigações não aconteceu logo depois da prisão de Marcelo. Antes de ceder, o empresário tentou várias estratégias para não reconhecer a participação no esquema.

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Não é o Moro

É um engano achar que quem mantem Marcelo Odebrecht na prisão, há um ano, é o juiz federal Sergio Moro. Como magistrado de primeira instância, ele autorizou a prisão preventiva, mas sucessivas decisões judiciais, de outros tribunais, como TRF4, em Porto Alegre, e o Supremo Tribunal Federal (STF), é que concordaram com os argumentos apresentados por Moro e concluíram que havia razões para tirar “de circulação” o empreiteiro.

AS FASES DE ODEBRECHT

Negação

O primeiro passo foi criticar os dedos-duros
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Ao ser preso, Marcelo manteve o ar de domínio da situação, típico de grandes executivos. Agia como quem estava plenamente confiante de que aquele era um revés a ser combatido com algumas ações estratégicas. Em comunicados oficiais, a empresa mantinha o discurso de que estava colaborando com a investigação – o que tornaria a prisão injusta – e que não havia nenhuma prova do envolvimento do grupo Odebrecht com ilegalidades. Durante uma sessão da CPI da Petrobras, em Curitiba, dois meses depois de ser preso, disse rechaçar “dedo duro”. A estratégia claramente mandava um recado aos aliados: manteremos o silêncio enquanto nos ajudarem. Estava em curso, naquele momento, outra estratégia.

Articulação

A pressão política para reverter o baque

Ao longo dos anos, o Grupo Odebrecht criou uma rede intrincada e muito diversificada de todo o tipo de apoio político. Ajudava, com dinheiro, todas as cores partidárias e políticos das mais variadas esferas, de vereadores a presidentes. De acordo com as investigações da Lava Jato, as doações eleitorais e outros tipos de auxílio, como pagamento de palestras de políticos, serviam para repassar dinheiro em troca de contratos públicos conquistados. Tal rede foi usada, também, para tentar abafar a Lava Jato a partir de ações políticas. A operação pareceu blindada – seja pela opinião pública, seja pelo grupo fechado em que se desenvolve – e não foi abalada aparentemente pelas várias investidas de articuladores que tentaram tirar o foco da Odebrecht.

Desqualificação

Uma guerra midiática e jurídica foi travada

De forma oficial, o Grupo Odebrecht tentou desqualificar a Lava Jato. Anúncios pagos e material divulgado para a imprensa buscaram colocar em dúvida as motivações e os métodos da operação. Os argumentos não encontraram ressonância e acabaram não surtindo efeito. Em outro front, uma nova tentativa de desqualificar a operação: as diversas petições judiciais que questionaram a legalidade da prisão de Marcelo e também a ação dos investigadores e do juiz federal Sergio Moro. À frente da estratégia jurídica está um dos mais famosos advogados do Brasil: Nabor Bulhões, que tem no histórico ter defendido o ex-presidente Fernando Collor e atuado em favor da Itália pela extradição de Cesare Battisti.

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Aceitação

Março, o mês em que o jogo virou com a primeira sentença

Mesmo depois de quase nove meses na prisão, Marcelo Odebrecht não dava mostras de que iria colaborar com as investigações. A partir de março, contudo, o jogo virou. Dois fatores teriam pesado para mudança de decisão. Primeiro, sem a anuência da empresa, a secretária Maria Lucia Tavares decidiu fazer a delação premiada. Ela era uma das responsáveis pelo Setor de Operações Estruturadas, onde foi apreendida uma planilha que organizava, segundo a investigação, a distribuição de propinas e doações ilegais a autoridades. Foi também em março que saiu a primeira sentença criminal contra Marcelo, condenado a 19 anos de prisão. Em busca de negociar a redução da pena, estava aberto o caminho para “a delação das delações”.

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Dieta polenghinho

Formado em engenharia na Bahia e com mestrado na Suíça, Marcelo Odebrecht teve a formação condicionada para ser o sucessor na empresa da família. Apesar da origem abastada, teria frequentado canteiros de obras quando começou a trabalhar no grupo, há mais de vinte anos. Era chamado de príncipe e Odebrecht III. Hoje, aos 47 anos, não leva uma vida de rei. O corpo magro “secou” ainda mais diante das privações na prisão, deixando bem salientes os ossos da face. Anêmico, ganhou direito a dieta especial, torradas sem glúten, frutas secas como damasco e queijo processado light tipo polenguinho. Desde fevereiro está de volta à carceragem da Polícia Federal, no Santa Cândida, mas tenta voltar no Complexo Médico Penal de Pinhais.

Nos bastidores, rumor é de que a delação vai implicar Lula e Dilma

“Se prenderem o Marcelo, terão de arrumar mais três celas: uma para mim, outra para o Lula e outra para a Dilma.” A frase, em tom de ameaça, teria sido dita por Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, e demonstraria muito bem até onde chegam as relações do grupo empresarial. Num primeiro momento, a expectativa dos investigadores era de que o empreiteiro poderia esclarecer qual seria o envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além de palestras no exterior, pagas pela Odebrecht, e de contatos de Lula com governantes “pedindo uma força” para a empreiteira, a operação tinha em mãos indícios consistentes de que a empresa havia feito, “de graça”, a reforma do sítio em Atibaia (SP) frequentado pelo ex-presidente e pela família.

O silêncio de Marcelo, aliado a outros depoentes que mencionaram Lula, levou a uma mudança de foco, inspirada no aparecimento de evidências de uma relação mais próxima entre o empreiteiro e a presidente afastada. Informações não confirmadas de encontros em Brasília e um pedido de R$ 12 milhões – que Dilma nega – passaram a indicar que a delação do empresário pode se centrar no governo da petista. Ela foi arrolada como testemunha de Marcelo. Já se comenta que sobrará aos ex-dirigentes da empreiteira OAS detalhar qual era a proximidade de Lula com as negociações tramadas para sugar recursos públicos de contratos.

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