Paulo Roberto Costa: após delação, pena de 74 anos foi reduzida para um ano de prisão domiciliar e dois no semiaberto.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Os acordos de colaboração premiada firmados na Operação Lava Jato reduziram em ao menos 326 anos as penas dos condenados em primeira instância pelo juiz Sérgio Moro. O número se refere a 28% do total de 1.149 anos aos quais todos os réus, delatores ou não, já foram sentenciados no esquema de desvios de recursos da Petrobras.

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A redução pode ser maior, uma vez que no levantamento feito pela reportagem foram consideradas apenas as 15 colaborações cujos termos dos acordos vieram a público pela 13.ª Vara Criminal da Justiça Federal, em Curitiba.

No bolso

O maior peso das condenações está no bolso dos colaboradores. Os condenados abdicaram de US$ 124 milhões e R$ 323 milhões, além de bens como imóveis de alto padrão, terrenos, carros importados, lanchas e participações societárias. Os recursos foram repassados para a Petrobras e a União.

As delações, em contrapartida, ajudaram não só a desvendar parte do esquema, que, segundo investigadores da Lava Jato, é responsável pelo desvio de mais de
R$ 6 bilhões, mas também a apontar a participação de outros envolvidos, entre eles detentores de foro privilegiado. Ao menos 49 políticos foram delatados.

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Até agora, ao menos 65 réus da Lava Jato fecharam acordos de delação. Há negociações ainda em andamento, como a de Marcelo Odebrecht, presidente afastado da empreiteira que leva seu sobrenome, a maior do país.

As delações já computadas somam 400 anos de pena por crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Após os acordos, nos quais os réus confessaram os delitos e se comprometeram a fornecer informações e documentos que auxiliem a investigação e a produção de provas, o total de penas chega a 74 anos. Entre os delatores, a redução dos anos é de 81%.

Os maiores beneficiados são também os que receberam as penas mais pesadas e os que fizeram as colaborações mais consistentes, com detalhamento do esquema e revelação do envolvimento de nomes importantes. Dois dos principais personagens da Operação Lava Jato, o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, conseguiram reduzir suas penas em cerca de 140 anos.

Condenado a quase 80 anos de prisão por lavagem de dinheiro e organização criminosa, Youssef fez delação e deve cumprir pena em regime fechado entre três e cinco anos. Depois, passa para o regime aberto. Costa foi condenado a 74 anos, 6 meses e 10 dias de prisão por corrupção e lavagem. Com o acordo, no qual foi o primeiro a revelar a participação de políticos, a pena foi convertida em um ano de prisão domiciliar, mais dois anos no semiaberto, com tornozeleira.

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Para o procurador da República Paulo Roberto Galvão, integrante da força-tarefa, as colaborações são o “coração pulsante” da Lava Jato. “Não são suficientes por si só, pois precisamos acrescentar outras provas às palavras do delator, mas são essenciais para o início e a expansão das investigações”, diz.

Resistência das defesas à delação diminuiu após operação

  • São Paulo

Presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a década de 1990, a colaboração premiada se disseminou com o avanço da Operação Lava Jato, modificando, com o tempo, a forma com que advogados e investigados encaram o instrumento. Se no início havia forte resistência, atualmente até ferrenhos críticos consideram a delação uma importante estratégia de defesa, “que veio para ficar”. Defensores, contudo, avaliam que a colaboração premiada carece de melhorias e sedimentação na jurisprudência brasileira.

Não tenho nenhuma simpatia pela delação, mas para atender os interesses do cliente a gente fecha o nariz e fecha o acordo.

Marcelo Leonardo, advogado da M. Júnior

“A delação é um instrumento antipático. Ninguém gosta de fazer. Nem o delator, nem o advogado. Mas veio para ficar e isso aconteceu em todos os países que adotaram o instrumento”, diz a advogada Fernanda Tórtima, que tem entre seus clientes o ex-presidente da Transpetro e delator Sérgio Machado. Segundo ela, é compreensível que o investigado que colabore com informações relevantes para a investigação tenha benefícios, como redução da punição. A advogada, no entanto, discorda que os acordos resultem em penas brandas e desproporcionais aos crimes cometidos. “É claro que o delator tem vários ônus, como a exposição pela confissão de crimes, restrições de liberdade e pesadas multas.”

Interesses

O criminalista Marcelo Leonardo afirma que, apesar de não ter simpatia pela delação, o advogado deve aceitar fazer quando esta for a vontade do cliente. “Não tenho nenhuma simpatia pela delação, mas para atender os interesses do cliente a gente fecha o nariz e fecha o acordo.” Leonardo representa a cúpula da empreiteira Mendes Júnior e o empresário Marcos Valério , que negociam acordo de delação na Lava Jato.

Um dos signatários de um manifesto contra práticas adotadas na operação, as delações entre elas, David Rechulsky alerta para a banalização o método. “Antes desta operação te garanto que 99% dos criminalistas não considerariam a delação como estratégia de defesa.”