Antiga sede do Dops em Curitiba, na Rua João Negrão| Foto: Rodrigo Juste/Divulgação CEV

Durante o regime militar, 44 mil paranaenses foram investigados de perto por agentes da ditadura. Esse é o número de fichas individuais encontradas no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) do Paraná, que funcionava na Rua João Negrão, no Centro de Curitiba. O controle era feito de perto, com grupos de vigilância instalados em todos os órgãos públicos do estado – inclusive em universidades, como a UFPR e a Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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Os dados fazem parte do relatório apresentado ontem pela Comissão Estadual da Verdade, que analisou casos de violação dos direitos humanos ocorridos no Paraná entre 1946 e 1988, englobando o período da ditadura.

Segundo a comissão, é importante desconstruir a ideia de que a ditadura transcorreu "tranquilamente" no Paraná. Apesar de ainda não ter sido consolidado um número final de mortos e desaparecidos no estado, os coordenadores da comissão afirmam que foram "centenas", contando com camponeses e índios, sobre os quais não há números oficiais.

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Dois fatores levaram o Paraná a ser um dos estados que mais sediaram conflitos durante a ditadura. A região era vista como potencialmente perigosa por causa da tríplice fronteira, por onde poderiam ocorrer fugas ou invasões. Também o comando da repressão de toda a região Sul do país ficava em Curitiba -- mais especificamente na Praça Rui Barbosa, onde hoje é a Rua da Cidadania.

Com mais de 700 páginas, o relatório ainda não é o fim das investigações no estado. Por causa do volume de dados a serem analisados, a comissão obteve autorização do governador Beto Richa (PSDB) para estender os trabalhos por mais um ano, até o fim de 2015. Um dos focos da nova etapa é continuar a busca por corpos de desaparecidos.

Em cerca de dois anos de trabalho, a comissão coletou documentos e relatos de modo a entender a história do estado em um período em que as liberdades individuais e de imprensa foram cerceadas. Com fartura de fotos e documentos, o relatório conta sobre o extermínio de aldeias indígenas inteiras, emboscadas, chacinas e episódios cruéis de tortura e assassinato.

De acordo com as investigações, pelo menos uma etnia indígena – a dos xetás – foi praticamente exterminada após acordo político que distribuiu terras entre fazendeiros e empresários, com a conivência do Estado. Em 2009, havia apenas sete descendentes da etnia. "Foi um genocídio", resume o procurador Olympio de Sá Sotto Maior, coordenador do grupo que investigou violações no campo.

As investigações sobre a Operação Condor – em que ditaduras do Cone Sul teriam atuado em conjunto para suprimir rebeliões – deve ser ainda mais aprofundada nos próximos meses. O grupo pretende fazer acordo com embaixadas de outros países para compartilhar os documentos secretos.

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Entre os casos da Operação Condor investigados pela comissão há o chamado Massacre de Medianeira, em que seis militantes de esquerda foram atraídos para a Argentina em uma emboscada armada por militares. Eles foram mortos e os corpos seguem desaparecidos.

A comissão apresentou 26 recomendações para adoção de medidas e políticas públicas para "evitar a repetição" das violações aos direitos humanos. Entre elas, são propostas a revisão da Lei de Anistia e o julgamento e punição dos responsáveis pelas violações.