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| Foto: Marisa Cauduro/Folhapress

Enquanto o governo luta para manter prazos de obras do PAC e dos estádios para a Copa do Mundo e os tribunais de contas atrapalham seus projetos vasculhando contratos em busca de irregularidades, a socióloga argentina radicada no Brasil Florência Ferrer se dedica a uma batalha paralela. "É preciso repensar o modo de controlar e fiscalizar os gastos públicos no Brasil", diz. Especialista em gestão eletrônica e conhecedora dos sistemas de fiscalização de países europeus, dos Estados Unidos e do Canadá, ela considera o modelo brasileiro caro, complicado e pouco eficaz. Nesta entrevista, ela adverte: "Em muitos casos o acompanhamento dos gastos no Brasil está amarrado a uma lógica de 40 anos atrás, enquanto os processos de corrupção se modernizam rapidamente". E antes que alguém estranhe ela esclarece: "Ninguém está falando em eliminar ou restringir controles. Ao contrário, trata-se de modernizar, de fortalecê-los, para que funcionem bem".

A sra. diz que a fiscalização dos gastos públicos no país é burocrática, gasta muitos recursos e é ineficiente. Por quê?

Os mecanismos de controle no Brasil estão amarrados a uma lógica de 40 anos atrás. São praticamente os mesmos [desde aquela época]. Em muitos órgãos de controle, pelo país afora, ainda se vive demais do papel. Enormes processos vêm e vão, empilhamse assinaturas. Há gente demais envolvida. A tecnologia de informação fez uma revolução nessa área, mas a resistência à gestão eletrônica ainda é forte. E os atos de corrupção não param de se modernizar. É preciso repensar esses processos.

Num país tão marcado pela corrupção, por superfaturamento e outras irregularidades, não é um equívoco atacar as formas de controle?

Não se está falando de enfraquecer controles. Ao contrário, de fortalecê-los, para que funcionem bem.

De que forma?

Vamos a exemplos práticos. Um projeto é aprovado e é preciso fazer compras públicas para ele. A autoridade que vai gastar necessita então de parâmetros, indicadores, sem os quais nem ela nem o fiscal saberão se o preço está adequado. Mas esses indicadores quase não existem na prática diária. Deveriam ser de uso fácil, tanto os nacionais como os locais, para se analisar compras, contratação de mão de obra, de frotas, de merenda escolar – seja o que for. Reduziria em muito o superfaturamento, que é tão comum.

Daria muito trabalho produzir isso?

Na área privada, novos processos de tecnologia eletrônica são assimilados rapidamente. Bancos, por exemplo, fazem seus controles de gastos internos criando planilhas do que se chama "desvio padrão". É um amplo sistema de informações, baseado em um mix de Big Data, Google ou nota fiscal eletrônica. Se um dado fica fora dos índices [indicando uma suspeita de irregularidade], o sistema dá um alerta. Em grandes empresas privadas isso já é rotina. A gestão eletrônica permite, por exemplo, que no governo dos Estados Unidos uma enorme quantidade de gastos seja acompanhada por uma equipe pequena, de uns 30 funcionários.

O que mais poderia ser melhorado?

O diálogo entre as etapas da gestão e do controle. Muitas vezes ficam todos de olho em uma licitação, e o ato de corrupção já aconteceu lá atrás, quando uma escola, por exemplo, pediu verba para 5 mil cadernos e só precisaria de mil. Ou seja, a corrupção está na decisão política de autorizar o gasto – nada a ver com a análise de um tribunal. A falta de diálogo entre Poderes também atrapalha. Há casos em que a autoridade é proibida de gastar, para não transgredir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), e um juiz a obriga a gastar, dando um aumento de salário a funcionários.

Onde isso aconteceu?

Em Minas Gerais, há algum tempo, envolvendo gastos com professores. A secretária de Gestão, Renata Vilhena, ficou entre ser punida por improbidade – se autorizasse despesas com pessoal desrespeitaria a LRF – ou por desacato à autoridade do juiz. Ela conseguiu negociar um acordo que autorizava o aumento dos professores, vinculando-o ao aumento da arrecadação.

Órgãos de controle são às vezes cobrados por atrasar obras com suas exigências. Como evitar isso?

Esse problema não é do tribunal, que está fazendo seu trabalho. O que se pode fazer é imitar outros países onde fiscais acompanham um projeto desde seu surgimento na área de gestão. Quando termina a elaboração, o trabalho de fiscalização praticamente termina junto. É um fator a menos de atraso da obra.

A sra. é contrária à suspensão do uso dos cartões eletrônicos nos gastos públicos. Por quê?

Na época do "escândalo da tapioca", em 2008, a sociedade e a mídia entenderam o uso do cartão como um privilégio [na ocasião, o então ministro dos Esportes, Orlando Silva, usou cartão corporativo do governo para comprar uma tapioca]. O governo decidiu então cancelá-los, trocar por dinheiro vivo. Mas o cartão eletrônico é uma garantia de controle de quem gastou, quando, onde, no quê. Acabar com ele foi um erro.

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