Cavaletes tomam conta de canteiro de avenida no Tatuquara| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Mário Sérgio Lepre, cientista político da PUCPR, analisa por que há poucos eleitores com carros adesivados com propaganda de candidatos

Pouco mais de um milhão de pessoas vivem nos bairros da região sul de Curitiba – quase 10% da população de todo o Paraná. É de se imaginar que, a poucos dias das eleições de 5 de outubro, essa região estaria fervilhando de candidatos em busca de votos. Ledo engano. Não fosse pelos cavaletes, amontoados em todas as esquinas, era possível acreditar que o período eleitoral nem sequer tivesse começado. Um retrato de uma campanha morna e impessoal.

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Para medir a temperatura da campanha, a reportagem da Gazeta do Povo percorreu vários bairros do Sul de Curitiba na tarde da última terça-feira, passando por algumas das principais ­ruas do Portão, Novo Mundo, Capão Raso, Pinheirinho, Sítio Cercado, Boqueirão e Xaxim. Em um trajeto de mais duas horas, foram vistos cerca de 20 carros com adesivos de candidatos – um número baixo para esse período da campanha.

Igualmente baixo era o número de "bandeiraços", mesmo em horário de pico. Em todo o trajeto, apareceram apenas dois grupos – o primeiro deles, ainda no Centro, e outro no Capão Raso. E em ambos os casos, os grupos de cabos eleitorais agitando bandeiras de candidatos eram pequenos. E ninguém oferecia adesivos, panfletos ou santinhos. Só havia o número e o nome do concorrente estampados na bandeira.

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Ainda mais raras eram as barraquinhas de distribuição de material de campanha. Apenas uma, solitária, na Rua Isaac Ferreira da Cruz, foi avistada no percurso. Naquele horário, os terminais de ônibus da região já estavam movimentados, com a população voltando para casa depois do dia de trabalho. Seria uma oportunidade para o candidato vender seu peixe ao eleitor – especialmente para os concorrentes da oposição, que já poderiam aproveitar a ocasião e falar das desgraças de um ônibus cheio. Oportunidade, pelo jeito, perdida.

Enquanto atividades que dão um toque mais humano às eleições, como um adesivo voluntário no carro ou uma conversa na calçada, eram raridades, os impessoais cavaletes são onipresentes. Era difícil percorrer cem metros, em qualquer bairro, sem tropeçar em uma placa qualquer.

Desilusão explica clima morno

A desilusão do eleitor com a política pode ser uma das explicações para uma campanha de rua tão fria. Insatisfeito com a classe política e com o próprio sistema eleitoral, o cidadão pode até votar em um candidato, mas não se sente à vontade para colocar um adesivo no carro nem disposto para ouvir os argumentos de um militante. Mas essa frieza também parte das próprias campanhas, que preferem concentrar seus recursos em outras formas de comunicação.

Para o cientista político Mário Sérgio Lepre, da PUCPR, a redução no número de carros adesivados é um fenômeno que já vem de eleições passadas, e pode refletir a desilusão do eleitor com a classe política – a ponto de se sentir um pouco envergonhado de suas próprias escolhas. "O eleitor pensa: ‘Por que me engajar em algo que está errado?’ Ele não se omite totalmente. Vota, mas não divulga em quem vota", diz.

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O cientista político Doacir Quadros, do grupo Uninter, vê também uma influência das manifestações de junho de 2013, quando o sistema político como um todo foi questionado. "Ter um adesivo é um indicador de confiança. Logo, isso mostra que o eleitor carrega consigo uma desconfiança dos políticos", diz. Ele avalia, entretanto, que isso pode também demonstrar uma maior maturidade do eleitor, indisposto a confiar cegamente em qualquer político.

Quanto às ações de corpo a corpo, Quadros avalia que as campanhas possam estar guardando munição para os últimos dias. Além disso, há o foco das campanhas em outras formas de comunicação que podem ter um custo-benefício melhor: "Outros veículos [de comunicação] têm poder grande de ganho de votos".

Internet

Curiosamente, o clima de apatia no mundo real não se repete no virtual. É possível ver, na internet, eleitores se engajando, defendendo seus candidatos e, também, criticando os adversários. Segundo Lepre, a internet traz uma espécie de anonimato que torna a manifestação política mais confortável. Já Quadros considera que a praticidade de se manifestar a partir do conforto de sua casa pode até colaborar com a apatia das ruas. "O eleitor prefere reclamar pela internet do que ir em uma passeata, por exemplo, pois isso otimiza seu tempo", afirma.