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Palavra de especialista

Equipamentos ultrapassados seriam uma das causas do acidente do vôo 1907

Perito passou uma semana no centro de controle de Brasília no ano passado. Ele critica os rádios e o software usados no monitoramento de aeronaves

Os equipamentos do sistema de controle aéreo brasileiro são falhos, ultrapassados e ineficientes para evitar colisões entre aeronaves. A afirmação é do representante da Federação Internacional de Controladores de Tráfego Aéreo (Ifatca, pela sigla em inglês), Christoph Gilgen, que passou uma semana em 2006 investigando o principal centro do comando de vôos do Brasil, o Cindacta-1, em Brasília.

Em entrevista à reportagem do "Fantástico", ele afirma: o programa de computador usado no país para controlar os vôos foi uma das causas que motivou o acidente entre o jato Legacy e o Boeing da Gol, em setembro do ano passado. As 154 pessoas a bordo da aeronave da companhia aérea brasileira morreram.

"Em poucas palavras, eu posso afirmar que o software X-4000 contribuiu fortemente para a cadeia dos eventos que terminou com a colisão do avião Legacy com o Boeing da Gol", diz.

Após o choque entre as duas aeronaves, a Associação Brasileira dos Controladores de Tráfego Aéreo pediu ajuda para a Ifatca, que tem mais de 50 mil associados em 130 países. A entidade enviou investigadores para o Brasil em outubro - Gilgen foi um deles. Depois da visita, foi feito um relatório que foi enviado para organizações como a federação internacional de pilotos e a organização internacional de aviação civil.

Segundo Gilgen, o programa tem uma falha grave: ele pode mudar automaticamente na tela de controle a altitude da aeronave, sem consentimento ou confirmação do controlador. "Então temos uma situação em que o controlador, que está no chão, e o piloto, que está voando, estão trabalhando com altitudes diferentes. E é lógico que isso é muito perigoso, os controladores não podem garantir segurança nem separação das aeronaves. Infelizmente, como vimos no dia 29 de setembro, isso pode acabar da pior maneira possível, em uma colisão."

O comportamento falho do software é único no mundo, segundo o especialista. "Francamente, eu viajo muito e já tive o prazer de ver muitos centros de controle no mundo, nos cinco continentes. Nunca vi um sistema que permite essa mudança automática", comenta.

Além do software, o especialista apontou ainda outras falhas no controle aéreo do país. "Os rádios são muito velhos, o alcance deles não é suficiente para cobrir todos os setores que são controlados, por exemplo, pelo centro de controle de Brasília. Os radares também são antigos, mostram muitas imagens de fantasmas e outros alvos incorretos", comenta Gilgen. "Os radares não têm o alcance que deveriam, por isso existem pontos cegos onde você não vê os aviões." O acidente

No dia da colisão, o plano de vôo do Legacy estipulava que o avião, que saiu de São José dos Campos (SP), deveria voar até Brasília numa altura de 37 mil pés. Sobre Brasília, o avião desceria mil pés e continuaria voando a 36 mil pés.

Mas os pilotos não fizeram isso: ultrapassaram Brasília e não mudaram a altitude. No centro de controle aéreo, a tela do operador teria indicado a altitude errada.

Um dos controladores que trabalhava naquele momento, Jomarcelo Fernandes dos Santos, foi acusado formalmente pela morte das 154 pessoas que estavam no Boeing da Gol e diz que não conseguiu contato com o avião por rádio. Em defesa própria, ele alega ter imaginado que estava tudo bem e que o Legacy tinha mudado de altitude. Guerra de versões

A falta de confiança no sistema é confirmada por um controlador ouvido pela reportagem do "Fantástico" durante a semana. "Nosso maior receio é um acidente. Nós não confiamos nos equipamentos, nunca sabemos quando o equipamento vai parar de funcionar ou não. Todo dia temos problemas."

Em resposta às críticas do representante da Federação Internacional de Controladores de Tráfego Aéreo, a Aeronáutica afirmou que não vai alimentar a "guerra de versões" sobre o controle do espaço aéreo brasileiro e reforça que o sistema é eficiente e seguro.

Além disso, em nota assinada pelo chefe do centro de comunicação da instituição, Brigadeiro Antônio Carlos Bermudez, a Aeronáutica ressalta que a única organização estrangeira reconhecida para emitir recomendações ao Brasil é a Organização de Aviação Civil Internacional. Gravações no trabalho

A tensão nos centros de controle aéreo chegou a tal ponto que alguns controladores passaram a fazer gravações de vídeo durante o trabalho. Uma das filmagens mostra uma suposta pane no sistema de planos de vôo do Cindacta de Brasília na véspera do feriado de Corpus Christi, no início de junho.

A Aeronáutica, entretanto, afirma que os vídeos são falsos. "Nossos técnicos analisaram essa imagem e o que ela mostra é uma simulação grotesca de uma pane", diz a nota.

Naquele feriado, houve atrasos dos vôos nos aeroportos e a Aeronáutica chegou a admitir que houve uma falha nos equipamentos - mas nada tão grave quanto alegam os controladores.

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