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 | Antonio More/ Gazeta do Povo
| Foto: Antonio More/ Gazeta do Povo

Administrar a maior cidade do Paraná tem tirado o sono de Gustavo Fruet (PDT). No cargo de prefeito de Curitiba há 40 dias, o pedetista afirma que o primeiro ano da gestão deve ser mais difícil do que imaginava. Segundo ele, um dos maiores problemas tem sido conviver com ameaças constantes de paralisações e greves de fornecedores da prefeitura que não recebem há quase um ano. "Tem fornecedor que vem aqui e chora", revelou. Para contornar os problemas de caixa, o prefeito determinou a revisão dos contratos e cortes de 15% no custeio da máquina.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo concedida na quinta-feira, Fruet voltou a dizer que o aumento da tarifa de ônibus é inevitável, mas garantiu que não chegará a R$ 3,10 (o valor que, segundo as empresas de ônibus, é necessário para cobrir os custos do sistema). O novo valor, porém, dependerá da decisão do governador Beto Richa (PSDB) de manter ou não o subsídio. Sobre o metrô, disse que o modelo será definido ainda neste semestre.

No âmbito político, revelou nunca ter dito tantos "nãos", diante da pressão de aliados por cargos na prefeitura. Em relação à Câmara Municipal, afirmou que o momento é de a Casa ter a sua própria agenda e parar de apenas reagir às demandas do Executivo.

Na transição, foi possível tomar conhecimento da situação financeira da prefeitura?

No aspecto de relacionamento, a transição foi cordial. Mas as pessoas acharam que não ia ser necessário passar algum tipo de informação, talvez por uma questão cultural que não amadureceu ainda, por a sucessão se dava dentro do mesmo grupo de poder há 24 anos ou porque algumas pessoas não acreditavam na derrota.

Sem essas informações, o que mais te surpreendeu na prefeitura desde que tomou posse?

Em grande parte, a pressão de curto prazo. Muitas ordens de serviço começaram a ser emitidas na metade do ano passado, mas boa parte delas não tinha empenho (reserva no orçamento) ou previsão orçamentária. Verificamos que há fornecedores que não recebem há 10 meses. Tem fornecedor que vem aqui e chora, dizendo que haviam prometido que eles iriam receber. Fico surpreendido até que algumas empresas não tenham fechado ou reduzido brutalmente suas atividades. A impressão que tenho é que não contavam com a derrota. Me surpreende ainda mais que algumas empresas ficaram quase um ano sem receber, mas por que não ameaçaram interromper o serviço antes, como aceitaram entrar num sistema desse? Mas são questões que não podem sofrer descontinuidade com a mudança de gestão, como limpeza pública, equipes de manutenção, compra de medicamentos. No auge do período eleitoral, por exemplo, a prefeitura manteve em funcionamento mais de 153 equipes de manutenção. Mas, quando assumimos, não havia em ação nem 10 equipes. Hoje, já estamos com 96 e vamos tentar garantir até o fim do ano 90 equipes nas ruas, apesar de não haver previsão no orçamento para isso.

Esse foi o motivo das ameaças de paralisações e greves enfrentadas nas últimas semanas?

Esta está sendo a primeira semana administrável. Antes, quase todo dia a gente conviveu com o risco de paralisação, de greve. Ameaçavam parar serviços essenciais se não pagássemos as dívidas. Algumas ocorreram, como no Caps Ômega e no Hospital Evangélico. Fora serviços interrompidos por uma hora, meio dia, que não divulgamos. Por isso, estamos fazendo uma força tarefa para ter a exata dimensão da situação, recompor todos os contratos, não perder a qualidade do serviço e, ao mesmo tempo, já pensar numa agenda positiva de médio prazo para depois dos 100 primeiros dias de gestão. Por isso, na posse, pedi esse prazo de 100 dias e disse que o primeiro ano seria difícil. Mas está sendo mais difícil do que eu imaginava. Para pagar todo o montante de R$ 446 milhões em dívidas, teríamos de comprometer, por exemplo, toda a receita do IPTU e ficaríamos um ano sem fazer absolutamente nada, se não tomássemos as medidas necessárias.

O que está sendo feito para pagar as dívidas pendentes?

Somando todas as ações, trabalhamos com números de R$ 272 milhões de recursos não empenhados ou sem orçamento. Com a arrecadação da prefeitura, estamos pagando os empenhos de até R$ 10 mil em ordem cronológica. E parte das despesas sem empenho nem orçamento será paga com o crédito especial de R$ 63,7 milhões que solicitamos à Câmara. O que mais chama a atenção é que muitos são contratos de médio e longo prazo, o que exige uma programação.

A economia com o custeio da máquina não ajudaria a amenizar os problemas de caixa?

Na Cohab, já extinguimos duas diretorias, duas gerências e 17 chefias, sem que isso tenha comprometido a qualidade do serviço. Só essa medida vai reduzir os gastos em mais de R$ 3 milhões por ano. Por necessidades emergenciais, também fizemos cortes de 15% no geral, mas, em algumas áreas, o porcentual foi até superior. Cada prefeito que assumia, partia do patamar da gestão anterior e só ampliava a máquina, provocando um acúmulo ao longo dos anos. Agora, é a oportunidade de redefinir algumas ações administrativas. É o custo que estou pagando neste momento. Algumas coisas têm de ser feitas agora, até porque assumimos com cacife político e certa legitimidade para isso.

O senhor levará o levantamento das dívidas ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas como disse na Câmara de Vereadores?

Não vou ficar discutindo responsabilidades. Vou encaminhar isso aos órgãos competentes, que irão analisar se há responsabilidade fiscal e crime em ordenar despesa sem previsão orçamentária. Além disso, a Câmara também vai fazer a sua análise.

O que o senhor achou das declarações do ex-prefeito Luciano Ducci (PSB) de que ainda não desceu do palanque?

Não vou reagir às críticas. Tenho pedido sangue frio à minha equipe. Isso não é uma corrida de 100 metros ou uma gincana, mas uma maratona, que exigirá fôlego para quatro anos. Vamos ser julgados no final do resultado. Estamos há apenas 40 dias na gestão, tudo tem seu tempo. Temos a obrigação de dar transparência ao diagnóstico que encontramos. Não estou procurando culpados. Há uma cobrança e uma expectativa muito grande por mudanças rumo. É preciso deixar claro a situação da cidade e práticas que não podem ser aceitas. É meu dever tornar isso público, compartilhar isso com a Câmara e a cidade. É justo ou normal na democracia que haja interrupção nos serviços porque houve transição? Não dei causa a nenhuma interrupção. Estamos assumindo com quase tudo parado.

Já foi possível tomar conhecimento de todo o problema envolvendo o transporte público?

O sindicato das empresas diz que tem um déficit de R$ 200 milhões e que, se isso não for recomposto, vai parar o sistema. O sindicato dos trabalhadores afirma que precisa recompor a folha em 30% ou vai fazer paralisação. Já pedi ao Ministério Público para participar desse debate, porque está envolvido o interesse da defesa do consumidor. É preciso dar transparência a isso e, se necessário, vamos pedir uma auditoria do sistema, sem caça às bruxas. O problema é que, a cada ano, vai aumentando a distância entre o custo da tarifa e o valor cobrado pelo sistema, por isso o déficit vem se acumulando. Coincidência ou não, em ano eleitoral o governo do estado deu um subsídio, que vai durar mais alguns meses apenas. Se ele for mantido, vamos apresentar um valor da tarifa que, com certeza, não será os R$ 3,10 que alguns defendem. É algo inevitável, até pelo aumento de todos os insumos. Vamos estabelecer a tarifa na expectativa da manutenção do subsídio, porque acredito na responsabilidade de quem o ofereceu. Se o subsídio não for mantido, os prefeitos da Assomec vão ter de redefinir a responsabilidade pela RIT, com a preocupação de garantir ao usuário uma tarifa justa e correta.

Nessa última hipótese, qual seria o valor da tarifa?

Só vamos debater isso depois da decisão sobre o subsídio. Mas o fato é que não dá mais para levar as coisas achando que tudo está funcionando bem. O sistema foi licitado há dois anos. Não era para todo mundo estar em festa? Ou isso é só choro e a transparência vai mostrar a realidade, ou realmente há um problema que está mal resolvido e vem se acumulando. Há uma acomodação. A operação mensal da Urbs é deficitária e me disseram simplesmente que sempre foi assim. O déficit hoje é de R$ 100 milhões. Não podemos entender que isso é normal e deixar de promover uma mudança para melhorar o sistema.

Além da tarifa de ônibus, como está a discussão em torno do projeto do metrô?

Vamos buscar alternativas para apresentar nesses 100 primeiros dias. O ideal, se houvesse tempo, era abrir o debate com outras possibilidades a respeito do transporte na cidade. Mas as obras têm de começar em 2014. Por isso, o modelo tem de ser definido já neste primeiro semestre. Mas que ninguém se iluda. Mesmo com o projeto atual, os recursos são insuficientes para implantar o metrô, e não falo nem para colocá-lo em operação. Para isso, vamos precisar de subsídio. O custo estimado na primeira fase de operação é de pelo menos R$ 190 milhões por ano. Como isso vai se dar na tarifa, vamos ter de discutir com a cidade. Além disso, temos plantas, projeções bonitas, mas não um projeto executivo com o nível de detalhamento necessário. O projeto é tecnicamente incompleto. Sem contar que os indicadores apresentados em relação aos usuários a serem incorporados ao metrô estavam superdimensionados. E a mudança na gestão do ICI?

O ICI é um instrumento muito importante para a gestão da cidade, mas é preciso redefinir os valores, os contratos e como se dá essa relação com a prefeitura. A cidade paga, por exemplo, R$ 148 mil todos os meses por um serviço de alta complexidade para o atendimento presencial do contribuinte do ISS, que é executado por 16 estagiários. É mais de R$ 9 mil por estagiário, quando, na verdade, os gastos devem ser de R$ 1,5 mil para cada um deles. Empresas que são fornecedoras da prefeitura por meio do ICI não recebem há 10 meses e ameaçam paralisar os serviços. É correto continuarmos num sistema como esse?

Como tem sido lidar com a pressão de aliados por cargos e espaço na prefeitura?

Algumas pressões são legítimas, é assim na democracia. Mas tenho muito claro que não posso me perder no varejo, ou perderei a dimensão do macro e a qualidade dos serviços. De fato, há pessoas que contribuíram com nosso projeto e nossa campanha, mas há algumas poucas que criam uma expectativa muito grande. Se eu fosse atender todos esses interesses, teríamos de ter 80 secretarias e mais 2 mil cargos em comissão. Alguns ficam bravos e chateados comigo, mas precisamos estabelecer essa contenção. Isso é um sinal de que a cidade precisa amadurecer a gestão. Tenho aproveitado muitos quadros da prefeitura e o próximo prefeito que assumir terá uma equipe de pessoas preparada para atuar em qualquer função.

Seus adversários o acusam de fugir dos confrontos, citando a sua saída do PMDB e do PSDB. O senhor se considera pronto para brigar pelos interesses da cidade?

Nunca fugi da briga, mas parece que para brigar tem de falar alto, tem de ser igual o Requião. Cada um tem um perfil. Duvido que alguém tenha participado de tanta briga como eu. Fui o primeiro deputado a participar de um processo de cassação na Câmara Federal; sou o único deputado na história que participou do processo de cassação dos únicos deputados cassados. Fui um dos poucos que pediu para o Renan Calheiros sair da Presidência do Senado, e fui ao Supremo pedir um mandado de segurança para que a sessão fosse aberta. Fui um dos poucos a pedir o afastamento do Derosso da Câmara. Hoje, é fácil falar, mas eu fui lá abertamente. Não pedi a renúncia dele, mas o afastamento para garantir a investigação. No PMDB, ganhei na Justiça as denúncias que fiz e hoje está se provando nas mãos de quem está o partido. No PSDB, brigar com quem? Qual briga que eu tive no PSDB? Disputar com quem? Não tinha convenção, não tinha foro para decisão e havia um veto do Derosso [a mim]. [Na eleição do ano passado], saí candidato praticamente solitário, briguei com a máquina da prefeitura, do governo do estado e não tive apoio forte como se imagina. Tive sim o apoio político muito importante da Gleisi. Muitas pessoas que hoje se dizem aliados não apareciam na campanha. Nunca briguei com tanta gente como agora. O que querem que eu faça, um automartírio? Tem gente que vem aqui e diz que quer ser secretária porque garantiu a minha eleição, ou vem aqui e apresenta uma lista de 200 nomes para garantir apoio partidário. Cada um tem um jeito de brigar. Para isso, não precisa sair xingando e falando mal das pessoas. O eleitor já entendeu isso. Sempre briguei sem tocar tambor. Não podemos nos contaminar pelo debate do pequeno mundo da política. Fiz o caminho inverso do político tradicional, sempre abri mão do conforto de governo. Fiquei nesses quase dois anos sem mandato, enquanto podia ter sido secretário de Estado. Isso não é brigar? Se seu tivesse sido eleito com o apoio do Beto, poderia estar fazendo o que está sendo feito hoje? Não quero alimentar essa discussão, porque é de quem está de fora. Tem muita gente brava comigo porque tinha uma estrutura considerável aqui, de pessoas nomeadas, contratos realizados -- e não estou falando de corrupção --, uma estrutura de conforto que ninguém tem.

Hoje, somente dois vereadores se declaram de oposição. Como o senhor, que foi oposição em Brasília quase o tempo todo, pretende lidar com isso?

Tudo o que aconteceu deu a oportunidade de a Câmara estabelecer a agenda dela e não apenas reagir à agenda prefeitura, que é uma tradição muito ruim na relação política brasileira. Neste início de mandato, tenho evitado encaminhar muitas mensagens à Câmara. A Casa tinha uma estrutura que não existe mais, e todos terão de se reeducar com essa realidade, porque há certos hábitos que não se aceitam mais na vida política brasileira. Qual o papel do vereador? Nunca fui pedir para presidente, governador nomear alguém no governo, nem pedi audiência para levar empresas para fechar contratos. Tem gente que está numa função achando que vai exercer outra. Mas reconheço e respeito a legitimidade do voto popular. Sei que o vereador é cobrado nas demandas da sua comunidade, do seu segmento. Quero estabelecer um diálogo transparente com a Câmara. Uma hora ou outra, alguém vai se sentir injustiçado, infeliz, mas não quero me prender nisso. É preciso uma capacidade maior de diálogo. O país se acostumou a isso de oposição-situação muito por causa da relação FHC-PT, como se oposição tivesse de ser contra tudo e governo ser o rolo-compressor. Isso está mudando. Diálogo não significa 100% de aprovação.

Que importância o senhor acha que a sua vitória na eleição em Curitiba terá na disputa pelo governo do estado no ano que vem?

Termina uma eleição e alguns analistas já começam a projetar o que vai acontecer [na próxima]. Mas, se for pensar assim, há dois anos quem poderia dizer que o governador ou o PSDB não iria eleger o prefeito da capital e das maiores cidades do Paraná? É no mínimo precipitado projetar eleição assim que acaba uma. Mas é claro que o processo eleitoral tem se tornado mais previsível, até porque temos a polarização Beto-Gleisi. Agora, como isso vai se comportar lá na frente, é cedo para projetar. Podemos apenas especular. No meu caso especificamente, isso passa por um debate dentro do PDT, com o Osmar [Dias, presidente do partido], que tem conversado com a Gleisi, e também pelos partidos, diante do novo arranjo que o governo do estado está fazendo. Mas, principalmente, pelas respostas dos governos à avaliação popular. A última eleição mostrou que o eleitor quer uma relação direta, não a campanha cara. Agora, entendo a estrutura que [meus adversários] tinham aqui na prefeitura. Isso vai pesar em 2014, porque eles perderam uma base de apoio muito grande, em captação de recursos, em comunicação, na relação com movimentos sociais.

O que a vida de prefeito mudou em sua rotina pessoal?

Eu nuca andei tanto. É um ritmo muito mais intenso, sem comparação com o Legislativo ou mesmo com a campanha. Fico preocupado, não adianta. Posso resolver dez problemas, mas, enquanto não resolver o 11.º, permaneço num grau de tensionamento. Nos primeiros dias, tenho dormido muito menos. Preocupa chegar ao final dia para saber se não houve uma crise na cidade, se o Garibaldis e Sacis transcorreu sem problemas, se ao final de um clássico não houve nada muito grave, se as unidades de saúde não entraram em crise. Vou ficar sem esse grau de tensionamento só quando acabar o mandato. Mas isso não me tira o ânimo e a alegria. Nunca vamos conseguir solucionar 100% das coisas, mas o meu papel é resolver os problemas e antecipar as crises. Mas não quero ficar refém da agenda administrativa e permanecer no gabinete o dia inteiro. Tenho evitado isso e procurado, já nos primeiros dias, conciliar uma agenda externa e eventos institucionais.

As pessoas te compararam ao seu pai [o ex-prefeito Maurício Fruet] no dia a dia?

É uma expectativa muito grande e, às vezes, até me assusta. O que ele fez e podemos fazer é o dialogo, com a população e os servidores. O Sismuc, por exemplo, me disse que há muito tempo não entrava no gabinete. É claro que não se pode tudo. Meu papel aqui é arbitrar conflitos, quero ajudar, mas há os limites. Às vezes, não se gera o grau de satisfação para que todos saiam felizes, mas o diálogo gera respeito e credibilidade nessa relação. É isso que o pai fez. O pior é quando o gestor se fecha, fica blindado no mundo da política. Não vamos conseguir manter o grau de popularidade em 100% o tempo todo, mas o pior é se fechar. Não adianta trabalhar com o sigilo.

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