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Já faz mais de 20 anos que a capital federal é comandada por um grupo de políticos que acumula riqueza e controla o poder à base da ocupação de terras públicas - a exceção foi o governo de Cristovam Buarque, de 1999 a 2002. É o que relata uma reportagem publicada no jornal "O Globo" deste domingo .

O estímulo à grilagem realizada em proporção poucas vezes vista no país é o alimento principal desses políticos, que resistem a escândalos sucessivos de corrupção graças ao fiel eleitorado conquistado com a atividade ilegal. Os números são impressionantes: com as bênçãos do ex-governador e ex-senador Joaquim Roriz, o principal beneficiado eleitoralmente com o esquema, o deputado distrital Pedro Passos e os ex-deputados distritais Gim Argello - que deve assumir a vaga deixada por Roriz no Senado -, Odilon Aires, José Edimar, entre outros, 533 mil pessoas - cerca de 26% da população do Distrito Federal - , ricos ou pobres, vivem hoje em loteamentos irregulares. (Veja fotos das construções irregulares)

Ex-aliado de Roriz - foi secretario de Obras no primeiro mandato dele -, o governador José Roberto Arruda (DEM-DF) elegeu como prioridade de seu governo acabar com as invasões de terras e a ocupação irregular no Distrito Federal, promovida ao longo dos últimos anos por Roriz e seu grupo político.

Para o Ministério Público, a derrocada de Roriz, que teve que renunciar ao mandato de senador para escapar da cassação, foi um tiro no coração de uma organização criminosa que dilapidou terras nobres na capital.

- A queda do Roriz foi uma grande vitória para o Ministério Público nesta batalha histórica que travamos contra o descontrole fundiário no Distrito Federal. Espero que o seu grupo tenha um desfecho definitivo - diz o promotor de Justiça do DF Paulo José Leite Faria.

O deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), adversário de Roriz, faz coro:

- O Roriz liderou uma grande máfia fundiária em Brasília. Além da criação de cidades com a farta distribuição de lotes, sem infra-estrutura e empregos, isso contribuiu para a explosão demográfica desordenada. Hoje existe uma panela de pressão no entorno capaz de explodir a qualquer momento - avalia Carvalho.

Mesmo vendo sua popularidade despencar, o governador José Roberto Arruda decidiu enfrentar o problema e autorizou a remoção das construções sirregulares;

- Foi a maior grilagem de terras urbanas na História do Brasil nos últimos 20 anos - diz Arruda.

Internado em uma de suas fazendas desde que saiu da prisão por causa da Operação Navalha, Pedro Passos se defende das acusações de ter se beneficiado de desapropriações de suas terras no governo Roriz:

- Isso não passa de ilação, é uma coisa fantasiosa. É tudo fruto de uma discussão fundiária que se arrasta há 20 anos.

Moradores protestam contra remoções irregulares

Na outra ponta, a presidente da União dos Condomínios Horizontais do DF, Júnia Bittencourt, reclama que há cerca de 30 anos os moradores de parcelamentos e condomínios estão à mercê desse grupo político que, a cada eleição, promete a regularização dos terrenos:

- Viver com a pecha de invasor é horrível! A regularização sempre foi assunto que rendeu voto. Tem sempre um político ganhando dinheiro e fazendo chantagem eleitoral - acusa.

O trabalho dos fiscais é acompanhado por um forte aparato da Polícia Militar, que garante a demolição dos imóveis. Alguns moradores tentam impedir a ação da fiscalização, mas não conseguem evitar os tratores.

Num ato de desespero, uma moradora do condomínio, a professora de artes cênicas Zeir Micas de Souza, partiu para cima dos fiscais e chegou a tirar a blusa em protesto. Ela disse que falava em defesa do "povo descamisado".

Em Brasília, as invasões de terras são feitas pelas classes média e alta

Na maioria das grandes cidades brasileiras, as invasões de terras são feitas pela população pobre das periferias. Mas em Brasília é diferente. Atraídos pela oferta fácil, mesmo com a insegurança de não ter uma escritura em mãos, filhos da classe média e das camadas mais altas da sociedade compraram lotes em grandes quantidades e construíram casas em terrenos irregulares. Os grandes condomínios Village Alvorada, à beira do Lago Sul, e Ville de Montaigne, a oito minutos do Palácio do Planalto, são exemplos dos chamados condomínios classe A. Neste último foram erguidas milhares de casas.

Nos últimos meses, a capital federal assiste a um boom silencioso da construção civil. O fenômeno nada tem a ver com a expansão imobiliária, e sim com a guerra declarada pelo governo do Distrito Federal às invasões. Quando assumiu, o governador José Roberto Arruda anunciou que todos os terrenos não edificados nessas áreas serão leiloados.

É comum encontrar - principalmente nos loteamentos em áreas pobres - mutirões de moradores virando laje madrugada adentro. Isso acontece porque, desde 1º de janeiro deste ano, está em vigor um decreto do governo que institui um plano de regularização dos terrenos do Distrito Federal. Este plano, proíbe novas obras em lotes ilegais. A medida teve o aval do Supremo Tribunal Federal (STF).

Arruda afirma que se nada fizesse Brasília viraria uma Baixada Fluminense

Arruda afirma que não pretende voltar atrás, apesar do custo político:

As invasões aqui eram de pobres e ricos. O que acontecia no Rio de Janeiro 30 anos atrás? Ocupação irregular do solo, e isso atrai uma superpopulação. No Rio, depois vieram a violência, as drogas e o crime organizado. Aqui estava acontecendo o mesmo. Minha aprovação está caindo, é de 70% nas classes A/B e de 40% nas classes D/E - afirmou.

Indagado se não esbarraria em interesses de gerações de políticos e empresários que sobreviveram disso, Arruda foi enfático:

Já esbarrei. Tudo isso não teria ocorrido sem a omissão do Estado. Tem gente que mora há 30 anos em Brasília e paga aluguel. Tem gente que chega aqui e em seguida ganha um lote, prêmio por ter invadido. Essa indústria acabou. Estamos investindo R$ 30 milhões na região para melhorar a qualidade de vida dessas populações antes que isso vire uma Baixada Fluminense - conclui Arruda.

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