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“Que há uma perda de legitimidade, é inegável, mas os hackers já atacam em outro plano. Trata-se de um questionamento do próprio estado, do aparelho de estado, que deveria ter uma segurança um pouco mais reforçada e demonstra fragilidade.” | Antônio Costa/ Gazeta do Povo
“Que há uma perda de legitimidade, é inegável, mas os hackers já atacam em outro plano. Trata-se de um questionamento do próprio estado, do aparelho de estado, que deveria ter uma segurança um pouco mais reforçada e demonstra fragilidade.”| Foto: Antônio Costa/ Gazeta do Povo

Um dos maiores teóricos da co­­municação no Brasil, Ciro Mar­­condes Filho esteve em Curitiba a convite do Tribunal de Contas do Estado (TC) para falar sobre a co­­municação na era digital. Soció­­logo e jornalista, Marcondes é professor da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Seu trabalho mais conhecido é a Nova Teoria da Comu­nicação, tema que estudou por 20 anos. Atualmente, coordena um projeto intitulado O Dilema da Incomunicabilidade.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Marcondes comentou os ataques de hackers aos sites do governo federal e falou sobre o novo cenário político que se desenha a partir das mobilizações feitas na internet. "Hoje, as redes sociais detêm grande parte do poder. Elas não têm a prerrogativa de criar cargos, nomear pessoas, bancar grandes investimentos sociais, mas têm a possibilidade de te colocar na parede e te imobilizar", afirmou.

Atualmente, sites estatais so­­frem uma onda de ataques de hackers, ou crackers, como al­­guns se referem. Isso tem alguma coisa a ver com os movimentos e protestos que surgem na internet?

Os ataques de hackers não se equivalem às movimentações, às mobilizações de rua e aos protestos populares organizados pela internet, pois o hacker é alguém com algum grau de especialização. Para conseguir quebrar as senhas e segredos, ele precisa ter esse tipo de conhecimento. O que ele faz, na verdade, é medir forças. No fundo, ele está dizendo: "Nós temos condição de quebrar o seu sistema de segurança". É uma espécie de desafio de um grupo de pessoas que, por dominar a questão técnica, pode fazer esse tipo de provocação.

E por que isso ocorre? É reflexo de uma falta de legitimidade da representação no governo?

Sim. Há uma crise grave de legitimidade no governo. Esses movimentos públicos que acontecem agora são uma demonstração de um certo distanciamento do governo em relação a uma série de causas populares e civis. Que há uma perda de legitimidade, é inegável, mas os hackers já atacam em outro plano. Trata-se de um questionamento do próprio Estado, do aparelho de Estado, que deveria ter uma segurança um pouco mais reforçada e demonstra fragilidade. As nossas instituições públicas e governamentais são frágeis, e isso se mostra na ineficácia do combate aos hackers.

Isso pode favorecer o estabelecimento de medidas mais restritivas para o uso da internet no Brasil, como a Lei Azeredo?

Não se espera que o governo e que os órgãos públicos venham com alguma medida de restrição. Isso não é do nosso tempo. Primeiro, elas são antipáticas. Segundo, elas vão contra uma tendência mundial. E terceiro porque não conseguem. O que a gente tem visto nos últimos anos é o contrário, é uma época de liberalização. Claro que não é plena, total, mas há uma grande tendência às coisas serem menos controladas – como na discussão sobre os segredos de Estado no Brasil e a transparência total. Então, o que se vê, em escala governamental, é uma maior abertura.

Mas em outros países, como na França e na Alemanha, já existem restrições bem mais fortes à circulação de certos conteúdos na web. Isso pode acontecer no Brasil?

De fato existe controle e perseguição, pessoas são procuradas por baixar músicas e filmes piratas na internet, coisa que no Brasil não acontece. A Europa tem uma tradição de rigor legislativo e de controle de patentes e da propriedade que nós não temos.

Apesar de toda a mobilização que ocorreu nas redes sociais no último ano eleitoral, a renovação do perfil dos políticos foi muito pequena. Isso não indica que, talvez, a força dessas movimentações não seja tão grande quanto ela parece?

Não é uma questão de briga por espaço político. Hoje você tem meios de colocar na parede um prefeito, um governador, um senador, exigindo medidas e ações efetivas, por exemplo, para o combate à corrupção. Isso não quer dizer que os movimentos organizados pela internet queiram lançar seus próprios candidatos.

A internet aponta para uma maior aproximação da democracia direta?

É o que ela faz hoje, no aspecto da reivindicação – mas não no exercício direto do poder. Quando você vota em um deputado, um senador ou um presidente, você transfere a ele o direito que é seu de exercer poder. Essa democracia não existe em termos de internet. Você não pode ocupar esse espaço. A única democracia possível [na internet] é o protesto e a exigência de medidas, um papel que até então era bastante ocupado pela imprensa. Portanto, em termos de democracia, você tem um lado que é satisfeito, mas não o outro, que é a ocupação efetiva dos espaços democráticos.

Os políticos brasileiros estão preparados para esse novo cenário?

Em parte, não. Até o presente momento, eles estão deixando a internet em um plano muito menos importante do que a coisa de fato é. Você vê que os governantes primeiro tomam uma atitude, depois a sociedade civil se organiza pela internet e daí eles dão um passo atrás. Ou seja, eles não estão prevendo essa movimentação e a força que ela terá mais adiante. A classe política perdeu hoje muito prestígio. Ela não tem a mesma proeminência como no passado.Historicamente, a mídia fez esse papel de mediar a relação do poder público com a população.

Como a mídia fica com essa revolução da internet?

Os grandes meios de comunicação, hoje, já não têm o monopólio da informação. Esse poder está se decompondo por causa desse poder de base, que está surgindo agora, na internet. É um poder que não está vinculado ao capital, ao poder político, ao poder religioso, é um poder de outra natureza, um poder que vem de uma forma direta e instantânea.

Como ela reage a isso?

Parte da mídia tenta entrar nesse jogo, mas com muita perda. Ela tem de fazer parte de um quadro na qual é apenas mais um participante, não dá mais as cartas. Então, claro, você tem os portais dos grandes jornais, os blogs dos jornalistas, os twitters, eles entram na internet, mas com um poder fortemente diluído.

E o que deve mudar na forma como a sociedade se organiza?

Já mudou. O poder é algo que circula. Hoje, as redes sociais detêm grande parte do poder. Elas não têm a prerrogativa de criar cargos, nomear pessoas, bancar grandes investimentos sociais, mas têm a possibilidade de te colocar na parede e te imobilizar. Então, o governo tem de mudar todo o seu orçamento porque essa pressão está "pegando mal". Existe uma diluição desse poder nas redes.

Isso democratiza a sociedade?

Quando você pulveriza os locais de decisão e definição de políticas, você democratiza. Você transfere para muito mais pessoas as instâncias de pressão. Antes, tudo isso era concentrado no aparelho de Estado, com interferência da imprensa. Quando você dilui um pouco essa massa, espalha poderes para outros lados.

O grande catalisador das revoltas na Espanha e na Grécia, nas quais a internet teve um papel importante, foi a situação econômica e social na qual os países se encontram. No Brasil, o desemprego é baixo, há uma diminuição na desigualdade e uma aprovação alta do governo. Isso não pode enfraquecer esses movimentos?

Não, porque, mesmo assim, eles estão acontecendo. Você vê o caso da prefeita de Natal [Micarla de Sousa]; houve uma pressão continuada por vários meses para que ela reagisse às denúncias de corrupção. Há também o caso dos bombeiros no Rio, as marchas em São Paulo. Mesmo que haja um recuo das desigualdades e da pobreza, isso não enfraquece a mobilização. Quem agita toda essa cena são os jovens, em geral estudantes, que não estão só ligados à questão social, mas também a questões que fazem parte de uma consciência metropolitana, que são as mesmas que estão no exterior. Quando você fala de transparência, do uso do dinheiro público, da corrupção, são problemas que estão por toda a parte. Temas como as liberdades civis e as questões de gênero são mundiais e não têm nada a ver com a crise econômica que atinge os países europeus hoje.

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