Sob o sol forte de 33 graus que fez ontem no Rio, médicos sessentões jogaram para o alto chapéus que cobriam cabelos grisalhos encerrando a formatura da turma de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), iniciada há 36 anos e censurada no meio da festa pela ditadura.

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Eles se sentiram de alma lavada. Minutos antes, ouviram pedido de desculpa oficial da reitoria da Uerj pela forma "arbitrária" com que a cerimônia foi encerrada em 13 de dezembro de 1972, pelo então diretor da Faculdade de Ciências Médicas, Jayme Landmann, já falecido.

O reitor atual, Ricardo Vieiralves, disse que os antigos estudantes deveriam se sentir, enfim, reconciliados com a universidade. "A ditadura acabou. Muito se passou. Sentimos muito orgulho da luta de cada um de vocês", declarou.

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A emoção tomou conta de todos. Principalmente quando o sobrinho do patrono da turma (a de 1967), Luiz Paulo da Cruz Nunes – morto por homens do Dops em 1968 durante manifestação estudantil pacífica em frente ao Hospital Universitário Pedro Ernesto no segundo ano do curso –, fez um discurso emocionado.

Antônio Paulo, também formado médico e representando o tio na formatura, lembrou passagens da infância quando a avó, mãe de Luiz Paulo, o levava para almoçar na cantina dos médicos em frente ao hospital onde o tio foi morto.

No local, dona Lúcia costumava chorar copiosamente. "Eu era muito pequeno e ainda não entendia tudo aquilo. Tanto a minha avó quanto o meu avô Álvaro morreram sem ter aquela ferida cicatrizada", disse Antônio Paulo, aos prantos. "Eu não conheci o Luiz Paulo. Mas conheço o sofrimento da minha família." Foi aplaudido de pé.

Outro momento emocionante da cerimônia aconteceu quando o orador pôde, 36 anos depois, ler o discurso da turma na íntegra. Na época, a repressão considerou o texto subversivo. Landmann, cumprindo ordens do Dops, proibiu sua leitura.

Quem fez a vez de orador ontem foi o cirurgião plástico Ricardo Pieranti. Ele leu o texto guardado pelos estudantes esse tempo todo.

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"Lá se foi o desventurado Luiz Paulo, para nunca mais, deixando a dor no lar construído por seus pais e fundos ressentimentos no coração de todos nós. Sua juventude em flor somava esperanças que malograram e perdeu-se na estúpida façanha de um policial assassino. Por que incluir no ânimo dos moços a desconfiança implacável? Que fez Luiz Paulo, para ser morto como se o seu instinto fosse o de uma fera? Que trevas terríveis caem sobre todos nós. Quem é o assassino? De qual dos dois mais precisaria a nossa Pátria?"