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Por meio da Lei 12.683, do dia 9 de julho de 2012, foram introduzidas diversas alterações na Lei 9.613/1998, que regula os chamados crimes de lavagem de dinheiro. A reformulação se deu sem corrigir conhecidas falhas do texto original, além de haver novas impropriedades que devem trazer problemas para a perseguição eficaz dos crimes ali previstos.

Vamos analisar o conceito de organização criminosa. Já alertei anteriormente para os problemas relativos ao art. 1º, VII da Lei 9.613/98, quando se referia a crimes praticados por organização criminosa, que constituía um dos tipos penais ali estabelecidos, fundado em um crime antecedente. Ainda que esse inciso tenha sido revogado pela Lei 12.683/2012, a referência à organização criminosa se mantém no parágrafo 4º do mesmo art. 1º, que cuida de uma situação de agravamento da pena. Por sua vez, o inciso II mantém a mesma pena para o agente que "participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei".

Observe que o legislador teria pretendido alterar a estrutura da lei para o fim de desligá-la da necessidade da vinculação a um crime anterior a ser provado e constante de uma relação fechada, objetivando o estabelecimento de ilícitos autônomos. Se isso é verdade, a intenção não foi atingida, uma vez que o próprio artigo 1º, em sua nova redação, apenas passou a fazer referência a alguma infração penal que tenha sido praticada pelo agente com o fim de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores. Ou seja, em vez de se reportar a uma série de crimes antecedentes, a nova estrutura passa a remeter a infrações penais abstratamente consideradas, o que não significa que a relação, embora mais ampla, não seja nem poderia ser aberta.

O conceito de organização criminosa, grupo, associação ou escritório que tenham objetivos ilícitos não foi dado pela Lei 9.613/1998, nem antes, nem agora com a sua reforma. Assim, eles devem ser procurados. Para tal finalidade, há de se recorrer à chamada Convenção de Palermo, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto 5.015, de 12.03.2004, que qualifica como Grupo Criminoso Organizado, um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e que atua com propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção com a intenção de obter benefício econômico ou material.

Pois bem, o STJ julgou inúmeras decisões e determinou a penalização dos membros de organizações criminosas, vencida a questão do seu conceito e aplicados os tipos penais correspondentes. O tema ressurgiu recentemente com grande força por ocasião do trancamento no âmbito do STF da ação penal que havia sido ajuizada contra os dirigentes da Igreja Renascer, Estevan Hernandes Filho e Sonia Haddad Moraes Hernandes, no HC 96.007 – SP, relator o ministro Marco Aurélio. A autoridade coatora foi o mesmo STJ, na qual a questão estava assentada.

A doutrina alegada pelo ministro Marco Aurélio afirma que os conceitos da Convenção de Palermo são amplos demais, valeriam apenas para o direito internacional. Seu voto foi além disso, negando até mesmo a vigência da Convenção, que teria sido promulgada por simples decreto e não por lei formal.

Sobre este último aspecto, discordo do ministro Marco Aurélio, uma vez que a promulgação da Convenção de Palermo revestiu-se das exigências legais para a sua vigência no direito brasileiro (objeto do Dec.Legislativo 231, de 29.05.2003 do Senado Federal e Dec. 5.015, de 12.03.2004, da Presidência da República). Sobre o processo legislativo de convenções internacionais, o próprio STF já havia reconhecido há muito tempo a vigência no Brasil da Convenção de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissórias, objeto do Decreto 57.663, de 24.01.1966 (Recurso Extraordinário 58.713, 3ª T, Ver. Trim., Jurisp. 39/450).

Dessa forma, o estrago está feito, agravado pela revogação do inciso do art. 1º da Lei 9.613/1998, que cuidava precisamente do tipo penal inerente à utilização de organização criminosa.

Não há dúvidas de que a sociedade brasileira tinha os dirigentes da Igreja Renascer como criminosos. Na época a notícia teve grande repercussão. Agora quem puder que explique ao povo a diferença entre crime de fato e crime jurídico, nova nomenclatura que ouso introduzir.

Se o problema existia antes da reformulação da Lei 9.307/1998, imagine o que vai acontecer agora, depois dos cortes e remendos mal feitos que lhe foram impostos. Do jeito que ficou, os réus do mensalão, na parte da acusação por organização criminosa podem ficar tranquilos. É a nossa tradição legislativa.

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