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É bastante difícil falar, em poucas linhas, sobre a contribuição de Pontes de Miranda para o estudo do direito societário, senão dizer foi uma das mais importantes para seu desenvolvimento em nosso país. A matéria societária por ele versada está contida nos tomos 49, 50 e 51 (que tive a honra e o privilégio de atualizar) do seu monumental Tratado de Direito Privado, em nova edição, de 2012, comemorativa dos 100 anos da Editora Revista dos Tribunais.

Em razão de seu vastíssimo conhecimento do direito de modo global, foi Pontes de Miranda o primeiro autor nacional que buscou dar à matéria societária um tratamento unitário naquilo que a separação entre sociedades civis e mercantis não interferia, diferentemente do que se passava com os demais tratadistas pátrios. Como sabido, estes estudavam separadamente, como ilhas incomunicáveis, fiéis, não só ao dogma da dicotomia do direito privado (direito civil e direito comercial), como, ainda, à regra contida no artigo 291 de nosso Código Comercial oitocentista, que submetia as sociedades mercantis às leis particulares do comércio, à convenção das partes sempre que lhes não fosse contrária, e aos usos comerciais, não permitindo que se recorresse ao direito civil para decisão de qualquer dúvida que se oferecesse, senão na falta de lei ou uso comercial.

Os pontos comuns da matéria societária, que sempre existiram, foram por ele evidenciados e abordados, numa antecipação à uniformização (parcial) que acabou sendo realizada, quase meio século mais tarde, pelo Código Civil de 2002.

Podem ser indicados, dentre outros assuntos gerais que diziam respeito a toda e qualquer sociedade, independentemente de ser ela civil ou mercantil, o desenvolvimento histórico, seu conceito e natureza jurídica, sua distinção de figuras afins, a nacionalidade, a personalidade jurídica, os crimes societários e o regime jurídico das sociedades irregulares ou de fato, além das questões relativas à validade e à eficácia do ato constitutivo.

Um dos pontos altos de seus estudos nesse cenário foi o modo como explicou a função do administrador da sociedade, que o levou a criar a expressão "presentação" para deixar manifesto que aquele, quando atua em nome da sociedade no exercício dos poderes que lhe são atribuídos, não detém mandato nem exerce a representação de um ser ausente, porque age como se fosse a própria pessoa jurídica, como se ela, e não ele, estivesse presente na prática dos atos inerentes ao seu objeto.

Na linha dessa perspectiva de abordagem, não deixou o autor de inserir em sua obra a sociedade cooperativa por ele catalogada como uma espécie societária peculiar e tratada de forma sistemática em seus vários aspectos e em suas inúmeras espécies, da mesma forma como tratou das sociedades de investimento, em suas múltiplas manifestações.

Temas atuais, por igual, que à época de seus escritos ainda não atraíam a atenção de nossos juristas, foram por ele tratados com maestria.

Em matéria de coligação, união e controle de sociedades, por exemplo, só havia uma pontual referência no artigo 135, § 2º, do Decreto-lei 2.627/1940, que determinava à companhia participante de outra ou outras sociedades inserir nas suas contas de final do exercício o montante dessa participação e das operações entre elas realizadas, com informações precisas no relatório da diretoria. Seus ensinamentos, contudo, já ousavam conceituar e determinar a natureza desses institutos, especificar as formas de controle etc., sabendo-se que só vieram a ser normatizados adequadamente na Lei 6.404/1976.

O mesmo ocorreu em relação a outros institutos, como o consórcio e o cartel, que Pontes de Miranda desenvolveu a partir dos conhecimentos que colheu na legislação e na doutrina estrangeiras, uma vez que, no Brasil, eram extremamente incipientes e fragmentários os estudos e as regras a eles relativos. É importante lembrar que o consórcio só ingressou no direito positivo brasileiro em 1976, com a reforma da lei do anonimato, e o cartel só tomou foros de relevância e passou a preocupar nossos juristas a partir da reestruturação do Cade, ocorrida com a Lei 8.884/1994 (hoje Lei 12.529/2011). Também a tumultuosa questão da desconsideração da pessoa societária que, ainda inexplorada entre nós, foi por ele tratada no plano da ineficácia, com menção, de passagem, a alguns dos estudos já desenvolvidos a respeito pela doutrina alemã.

Em remate, é indispensável registrar que, no tratamento da matéria societária, Pontes de Miranda manteve a mesma postura que o marcou como um jurista independente e convicto de suas ideias; um jurista que produzia seus trabalhos guiado exclusivamente pelo que lhe determinava sua consciência, sem se deixar influenciar ou contaminar pelas críticas que lhe pudessem ser feitas. Afirmando serem os sistemas jurídicos sistemas lógicos, mostrou toda sua coerência, não se constrangendo em condenar, com frases breves e incisivas, toda e qualquer decisão ou tese incongruente, por maior que fosse a Corte, por melhor que fosse seu autor.

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