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Simplificando, muito: a justiça brasileira compõe-se basicamente de dois graus. No primeiro, os pleitos são sentenciados por um único juiz, concursado. No segundo grau, os recursos, contra as sentenças, são julgados por tribunais. Estes são formados por desembargadores que anteriormente eram (a) juízes no primeiro grau e chegam lá promovidos, por mérito ou antiguidade, e (b) por advogados e promotores de justiça destacados dentre seus pares, por meio de um processo seletivo, cujo ápice é uma lista tríplice na qual o governador opta por um nome final.

A origem destas vagas retrocede até uma reforma, de 1924, na Justiça do Distrito Federal. Alguns a consideram resquícios da monarquia, todavia decorre mais da separação dos poderes do que de vetustas relíquias de Portugal – quem se interessa por informação de boa procedência pode ler o voto do Ministro Celso de Mello, na ADI 4078.

Assim, o quinto é uma instituição democrática, tanto que, ao final do processo de escolha, a última palavra caberá ao governador, cargo alcançado por eleição majoritária. Pretender que deva ser extinto, ou composto unicamente pelo escrutínio dos membros do Judiciário, significa destituir o chefe do Executivo de um importante atributo do seu cargo, criado para complementar o sistema de tripartição dos poderes com freios e contrapesos entre eles.

De resto, o quinto enriquece os tribunais, mas não com conhecimento jurídico: porque este, hodiernamente, é bastante acessível, e a magistratura de primeiro grau, já disse, é formada por juízes que se submetem a rigorosos concursos. Porém, o Direito não é só informação sobre as leis. Exige noção dos fatos, categorizá-los adequadamente, por isto que o brilhantismo das peças processuais não passa de um engodo quando a verdade processual se distancia realidade.

Portanto, a maior contribuição do quinto é uma outra sensibilidade para as provas que propiciarão a verdade processual. Este aquilitar das provas judiciais não prescinde do conhecimento, porque o estudo é sempre o buril que aperfeiçoa qualquer profissional. É especial pelo saber de quem o conquista: saber que o juiz só pode deferir os pedidos que forem formulados e que de tanto pedir pelos outros, aprende porque, certos pedidos, por mais justos e legítimos que sejam, jamais serão apresentados perante os tribunais.

O advogado compartilha o sofrimento, o desamparo, a decepção, a indignação e a humilhação dos seus clientes. É quem melhor conhece a lágrima, a dor e o silêncio daquele que precisa da proteção da justiça, seja ele autor ou réu. Ele ouve o suspiro do litigante no seu anseio por justiça. Escuta a narrativa da pessoa ainda no inicio da jornada em que ela se conscientizará como vítima ou ofensora do direito de outrem. O juiz só ouve a fala já organizada sob o prisma de todas as consequências que a verdade vivida já teve e poderá ter a partir da sentença.

Essa experiência é inacessível aos juízes pelo dever de imparcialidade. O advogado, por mais que seu cliente minta – e isso acontece –, ainda assim, é quem melhor saberá até onde aquilo que lhe foi contado em segredo, foi confirmado ou desmascarado em juízo. Numa conciliação, por exemplo, o juiz jamais saberá se a parte aceitou o acordo sugerido por confiar em suas palavras ou desconfiar da sua imparcialidade, mas o advogado sempre saberá.

O quinto carrega esta riqueza da experiência do jurisconsulto. E porque trato do quinto, retiro de um dos seus defensores, a lembrança que jurisconsulto, não o mero advogado, "só o é quem, com espírito de filósofo, vê no direito não um código misterioso de regras hieráticas, mas uma força propulsora da vida para os seus fins ideais" (João Luis Alves).

Aparentemente cria um paradoxo: por força do exercício apaixonado e brilhante da profissão, o advogado se converte em juiz. Não mais deverá advogar, e passará ter todas as garantias constitucionais necessárias para julgar com independência e imparcialidade, entre elas a vitaliciedade, que para alguns também parece vestígio português, mas, como outras antiguidades supostamente reinóis, também encontra razão na teoria de Montesquieu, base da democracia.

O paradoxo é aparente porque o exercício apaixonado e brilhante da profissão repousa no mesmo pilar, para a advocacia e a magistratura: o amor ao Direito.

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