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A soberania popular nos foi garantida pela Constituição Federal de 1988 pelo exercício pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, mediante plebiscitos, referendos e iniciativa popular. Já não era sem tempo que a Constituição Federal de 1988 nos devolvesse a prerrogativa de escolha direta dos nossos governantes, seja do Poder Executivo, seja do Poder Legislativo, estabelecendo uma nova sistemática de partidos políticos, as condições de elegibilidade, dentre outros direitos e deveres políticos, integrantes de um núcleo essencial da Constituição.

Efetivamente exercendo parcela legítima de soberania, o projeto de Lei Complementar da "Ficha Limpa" surgiu por iniciativa popular como uma reação da sociedade aos escândalos políticos envolvendo nossos representantes democraticamente eleitos para as funções de mais alto relevo no Poder Executivo e Legislativo.

A Lei da "Ficha Limpa" (Lei Complementar 135/2010) realmente avança quanto à garantia de proteção à probidade administrativa, à moralidade para exercício de mandato, levando-se em conta vida pregressa do candidato. Por exemplo, eleva de três para oito anos o período de inelegibilidade daqueles que "tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes" (Lei Complementar 64/90, artigo 1º, I, d).

Se por um lado, a nossa consciência democrática se aperfeiçoa e caminha para o desenvolvimento a passos largos, garantindo liberdades e impondo a todos nós a assunção de responsabilidades; por outro lado, não podemos aceitar, no atual estágio avançado da democracia eleitoral brasileira, a presença de candidatos "conta suja".

Segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aquele candidato que concorre a um cargo eletivo não necessita mais ter sua prestação de contas de campanha aprovada pela Justiça Eleitoral, no sentido de comprovar a legalidade e legitimidade das receitas e despesas de campanha. A simples apresentação das contas de campanha é condição suficiente para obter a certidão de quitação eleitoral, documento comprobatório expedido pela Justiça Eleitoral de que o pretenso candidato "está em dia" com seus deveres eleitorais.

Não bastasse o entendimento do TSE, tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 3839/2012, já aprovado na Câmara dos Deputados, que positiva o entendimento de que é condição suficiente para a obtenção da certidão de quitação eleitoral a simples apresentação das contas de campanha eleitoral nos termos da lei. A única sanção a ser imposta pela Justiça ao candidato que tiver suas contas de campanha desaprovadas é meramente pecuniária, correspondente ao pagamento de multa no valor equivalente ao das irregularidades detectadas, acrescida de 10%.

Assim, se por um lado, a Lei da "Ficha Limpa" trouxe grandes avanços para o Estado Democrático brasileiro em matéria eleitoral, na medida em que elenca e repreende uma série de condutas que visam resguardar a probidade administrativa e a moralidade para exercício de mandato; por outro lado, a possibilidade dos candidatos "contas sujas" concorrerem às eleições causa um paradoxo em nossa democracia eleitoral: avançamos um passo, mas regredimos outro.

Suponha-se que um candidato recebeu doação pecuniária para campanha de uma empresa X nas eleições de 2008. O candidato, pelo simples fato de ter apresentado as contas, obtém a certidão de quitação eleitoral. Por sua vez, caso o Ministério Público detecte por meio do procedimento competente que a empresa X doou quantia superior à permitida pela legislação eleitoral, esta ficará sujeita ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes a quantia em excesso, e ainda ao risco de ficar proibida de contratar com o poder público por cinco anos (Lei 9.504/97, artigo 81, §§ 2 º e 3º). E mais, os dirigentes das empresas ficam inelegíveis por oito anos, por terem realizado doação acima do limite legal (Lei Complementar 64/90, artigo 1º, I, p).

Já o candidato que se beneficiou da doação poderá livremente concorrer às próximas eleições, visto ser condição suficiente para a quitação eleitoral, a apresentação das contas de campanha à Justiça Eleitoral, mesmo que, na sua análise posterior, se verifique irregularidades, como acima apontado.

É bem por isso, que "Ficha Limpa" e "Conta Suja" não podem conviver num mesmo cenário eleitoral sem causar prejuízo àqueles que já são os maiores prejudicados: nós, os eleitores e toda a sociedade.

Mariane Shiohara, advogada eleitoral, mestre em Direito Socioambiental e Econômico pela PUCPR, coordenadora da Especialização em Direito Eleitoral do Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba).

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