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Após o acidente da TAM, em Congonhas, ranhuras daquela pista, e de tantas outras, passaram a ser tema recorrente em nossas vidas. Após a tristeza de Santa Maria, ações são deflagradas de Norte a Sul do país para "fazer cumprir" regras em casas noturnas.

Sempre após o fato, a ação. O que demonstra um agir típico brasileiro: movimentação estatal de cumprimento do dever apenas quando há grande comoção. Após o acidente da Gol, por exemplo, sabe-se lá a quantas anda o controle de tráfego aéreo brasileiro, se investimentos foram feitos, se há cobertura em todos os pontos. Saberemos no próximo fato.

Falamos, portanto, de uma "satisfação" ao povo quando necessário, ou de ações, dos Poderes Executivo e Legislativo, que podem ser adjetivadas de patológicas. No fundo, uma única certeza: a aversão do brasileiro às regras. Uma aversão cultural sem precedentes.

Um Estado tem como componente o povo (em classificação tríade clássica de nação, povo e território). Não há, pois, como não ser ele, Estado, a imagem deste povo, notadamente quando o tema é a observância de regras.

Os princípios, no Direito, com sua amplitude e abstração fundamentam as regras, e estas são a sua densificação, concretizando-os. Regras, resgatando ensinamento elementar ditado por Inocêncio Mártires Coelho, "valem ou não valem, incidem ou não incidem". Bem arremata o autor, afirmando que as regras "possuem hipóteses de incidência fixas e consequências jurídicas determinadas".

Ao resgatarmos o componente povo daquele Estado, vemos claramente a conduta brasileira em um exemplo clássico: o uso dos aparelhos celulares em aviões. Incansáveis, as tripulações orientam para que sejam desligados a partir de determinado momento. Infatigáveis, avisam para que não sejam ligados enquanto a aeronave faz suas manobras após a aterrissagem. Orientam que não se pode utilizar o aparelho entre a saída da aeronave e o saguão do aeroporto. O fundamento (o princípio), um só: a garantia e preservação da vida de todos. A regra: não se pode praticar o ato. E, se a conduta vedada for verificada, despontam as consequências jurídicas.

Para o Estado, anote-se desde já, regras assumem sentido dúplice quando se traduzem em dever: tanto o imperativo de sua ação (dever de fiscalizar) quanto a aplicação da consequência jurídica (a punição ou o monopólio do uso da força).

Mas o que fazem os brasileiros? Com avião próximo à decolagem ligam para dizer a alguém que já estão quase voando. Quando as rodas tocam o solo na aterrissagem, ligam seus aparelhos para avisar a chegada a uma pessoa. Descem das aeronaves já tagarelando sem se preocupar se seu aparelho causará interferência no complexo sistema de comunicação entre controladores de voo e aeronaves.

E quais as consequências jurídicas? Nenhuma. Desobedece-se uma regra ou cinco por dia sem que nada aconteça como consequência. O Estado, enfim, não vê. E não vendo, deixa também de cumprir uma regra, com aquiescência de todos.

Quando há uma comoção, quase em estado de choque, todos, povo e Estado, passam da libertinagem desvairada à sujeição extrema. Do mandamento "para inglês ver", para a perfeição suíça.

Os exemplos, aliás, são fartos: a cada nova mudança da lei que não permite a condução de veículos sob o efeito de álcool, a mídia impressa e o Estado, ambos ladeados por pirotecnia invejável, conduzem coberturas e flagrantes para mostrar que a regra, pelo menos neste momento inicial, "vai pegar". Passado o show inicial, depara-se com a realidade recorrente: o cidadão não deixa de beber, fazendo olhos de mercador para a regra, e o Estado não tem contingente suficiente ou motivação política, para observar aquele dúplice mandamento (dever de fiscalizar e dever de punir).

Triste Brasil. Um país em que, assentadas sob o seu ordenamento jurídico estão tantas regras não observadas, tanto para a segurança de todos, quanto para convívio mais harmonioso. Se existem, ficam confinadas ao papel ou em raras exigências no mundo fático. Se não existem, uma tragédia rapidamente determinará sua elaboração ou sua exigência. Sob a ótica estatal, uma condução patológica.

Em Santa Maria, a ação posterior, em nome de todos aqueles jovens, requeria a prisão não só do dono do estabelecimento e do cantor, mas também dos responsáveis pelo não cumprimento da regra pelo lado do Estado, ou, os responsáveis pela fiscalização não feita (comandante dos Bombeiros, responsáveis do Poder Executivo pela fiscalização municipal e concessão de alvarás, entre outros).

O triste viés da impunidade faz dos brasileiros cidadãos avessos às regras, e do Estado uma imagem dessa permissividade e irresponsabilidade. Poder Executivo e Poder Legislativo agem somente por impulso da comoção social, praticando ações patológicas. Ou, "pato-lógicas", onde o "pato" é o povo que dá origem e aceita esse tipo de conduta. Santa Maria é mais uma infeliz prova de tal faceta medíocre. Lá, mais uma vez, uma regra rebaixada à condição de brincadeira ou joguete levou uma grande turma para "matear" longe de nós.

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