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Ao contrário do que muitos imaginam, a travessia que vivenciamos do processo civil tradicional para o processo eletrônico não consiste na mera digitalização dos autos físicos. O momento deve ser tido como de ruptura, capaz de contribuir para um processo econômico, eficaz, em tempo razoável e de melhores resultados. Ou seja, um processo justo.

O uso intenso de novas tecnologias – com a transmissão de informações sob as formas escrita, sonora ou visual, sem restrições de distância, tempo ou volume – acarreta reformulação das noções de tempo e espaço. Logo, a atual sociedade da informação não tolera um Poder Judiciário arcaico, burocrático e estritamente formalista, que demora anos para responder as demandas que lhe são submetidas.

A concepção de processo eletrônico não pode, tampouco, ser limitada à mera transferência, armazenamento, processamento e manipulação de dados. A prevalecer essa ideia, estar-se-ia a perpetuar os mesmos vícios nos quais incorre o processo desenvolvido nos autos em papel.

A nova proposta consiste em agregar ao processo civil as potencialidades trazidas pelas tecnologias da informação, sem tolher garantias fundamentais, e de sorte a propiciar uma visão mais consentânea de como os tradicionais princípios processuais se manifestam no meio eletrônico. Tomemos como exemplo a garantia fundamental ao contraditório.

O processo eletrônico conecta sistemas, máquinas e pessoas, permitindo em tempo real a transmissão do conteúdo de atos processuais, bem como a sua prática. A presunção de publicidade do processo se torna efetiva, vez que os autos estão acessíveis a todo o tempo.

Os diferentes formatos de mídias eletrônicas, que armazenam não apenas texto, mas também som e imagem, permitem romper com a rígida separação entre o mundo processual e aquele das relações sociais. O princípio da escritura é mitigado e cede, pois, espaço para a oralidade, que é incentivada tanto pela viabilidade de realizar audiências, julgamentos e outros atos processuais por videoconferência, quanto pela facilidade de gravação, armazenamento e reprodução dos aludidos atos.

Esse novo contexto implica outra racionalização e organização da produção de provas, visto que a conexão redunda em um processo com características inquisitivas. Como as fronteiras entre os autos e o mundo são cada vez menos evidentes, a busca da verdade se perfaz segundo uma lógica probatória remodelada, o que não afasta a necessidade de regulação dos limites para formação da convicção a partir de fatos públicos e notórios, ou, melhor dizendo, fatos comuns e conectáveis.

Os novos contornos da ideia de contraditório visam, também, evitar abusos e procrastinações ardilosamente realizados em seu nome. Isso porque é recorrente que sob tal fundamento as partes formulem requerimentos absolutamente infundados, prejudicando assim a efetividade do direito daquele que está com a razão. Embora constitua garantia fundamental, o direito ao contraditório não é absoluto e precisa de temperamentos.

Esse contraditório clássico, linear e fragmentado, ganha em intensidade, autenticidade e verossimilhança quando acrescido da instantaneidade que é marca das novas tecnologias. O meio eletrônico permite não apenas a contradição, mas verdadeira interação, isto é, participação efetiva e em paridade de condições. O princípio da interação incrementa, pois, um aspecto substancial de compromisso com a verdade, evitando assim dilações indevidas.

Ao mesmo tempo em que a participação das partes é aumentada, com o que o processo ganha em traços democráticos, incrementa-se também a responsabilidade desses partícipes. Não basta narrar os fatos e aguardar a resposta jurisdicional. Nesse novo contexto de interação, o contraditório (possibilidade efetiva de influir na construção da decisão) e a ampla defesa (defesa técnica) serão efetivamente respeitados, uma vez que os contraditores poderão extrair do meio eletrônico todas as possibilidades de influir na formação do juízo de fato (indicação e produção de provas, além de fatos comuns e conectáveis) e no juízo de direito, neste caso não apenas indicando a norma aplicável, mas, sobretudo, estabelecendo seu conteúdo e alcance. As responsabilidades são maiores também em termos éticos. A partir desta potencialização da busca da verdade, será reduzida, em tese, a margem de alegação ou de negação de fatos facilmente verificáveis.

Imprescindível, pois, que os operadores do direito se conscientizem de que a travessia para o processo eletrônico constitui oportunidade concreta de aprimorar a prestação jurisdicional.

Elton Baiocco, advogado, mestre pela UFPR, membro do grupo de pesquisa e-Justiça/UFPR.

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