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A urgência da reforma da previdência é um dos temas mais delicados da pauta do Congresso Nacional, tendo em vista, por um lado, o aumento significante nos últimos vinte anos (de 2,5 em 1988 para 7,5 em 2009) do peso relativo das despesas com o custeio de benefícios previdenciários e assistenciais no PIB – com alarme na projeção desses gastos quando refletidos no envelhecimento da população nas próximas décadas – e, por outro, a importância histórica que os direitos previdenciários representam para os trabalhadores: seja na privilegiada topografia de pilar constitucional esculpida em 1988, no plano jurídico; seja na constatação, no plano prático da realidade da vida dessas pessoas, de que os aposentados que dependem do Regime Geral de Previdência Social, em regra, não tiveram condições de acumular capital que gerasse renda para usufruto na terceira idade (mais de 70% dos beneficiários da Previdência social recebem benefícios no valor equivalente ao salário mínimo).

Estudos legislativos – a exemplo da exposição de motivos do substitutivo apresentado pelo deputado Pepe Vargas (PT/RS) ao projeto de lei 3299/2008 e de um parecer do Centro de Estudos da Consultoria do Senado, elaborado por Meiriane Nunes Amaro em 02/2011 – situam a postura alarmante da premência de uma nova reforma da previdência social, após as duas ocorridas em 1998 e em 2003. Para esses estudos, as reformas já empreendidas foram fundamentais para adequação à política de responsabilidade fiscal, mas foram insuficientes para garantir a solvabilidade do sistema em longo prazo, tendo em vista a impossibilidade de aumentar as alíquotas das contribuições sociais, que já estão entre as maiores do mundo, e a iminência do aumento da proporção da população idosa – que em 2010 era de 10,0% de maiores de 60 anos e em 2050 será de 29,8%.

As propostas de reforma, atentas ao inchaço tributário e à tendência demográfica, consistem na restrição dos requisitos de concessão dos benefícios tanto no regime dos servidores públicos quanto no regime geral, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Exemplos são a instituição de teto máximo para servidores públicos – com a instituição de previdência complementar para este setor –; no regime geral, de idade mínima de 60 anos para homens e mulheres para aposentadoria por tempo de contribuição, o alargamento da carência da aposentadoria por idade de 15 para 25 anos, a imposição da prova do grau de dependência mesmo para cônjuges e filhos nas pensões por morte, a desvinculação do piso dos benefícios ao valor do salário mínimo com consequente vinculação apenas à inflação e o fim de critérios diferenciados a professores, mulheres e trabalhadores rurais.

Os movimentos sociais, atentos a esse processo, fazem contrapartida a esse apelo econômico e têm exercido, com assento nas comissões próprias, a defesa do interesse dos trabalhadores – sejam dos já aposentados ou dos em atividade – que têm seus direitos adquiridos ou em formação. É grande a pressão pela queda do fator previdenciário (índice que reduz em até 50% as aposentadorias prematuras, a partir de um cálculo estabelecido em 1999 que leva em conta o tempo de contribuição, a idade e expectativa de sobrevida), tanto que se aprovou a lei 12.254/10 para essa finalidade, vetada à época pelo presidente Lula. Outra proposta, aprovada no último dia 04, é o elastecimento do direito à pensão por morte para filhos até os 24 anos, e não apenas até os 21, para que se garanta a oportunidade de formação universitária, a exemplo do que já ocorre na pensão civil alimentícia.

A identificação desse ponto de tensão entre a finalidade social e os reflexos econômicos das políticas públicas voltadas à previdência social traduz a essência da tensão política entre o ideário do estado social de direito e o pensamento utilitarista neoliberal. Para José Antônio Savaris, doutor em direito da seguridade social pela Universidade de São Paulo e juiz federal no Paraná, a análise econômica do direito previdenciário, com olhos voltados para a contabilidade fria da relação custo-benefício, que acaba sempre por propor redução de despesas, não atende à finalidade própria da previdência social, que é promover a adequada proteção social na cobertura dos riscos da vida. Nesse sentido, o processo de retração sistemática dos direitos previdenciários – que ganhará novo capítulo com a próxima reforma –, manifesta-se como retrocesso social em prejuízo dos cidadãos.

Esse prejuízo, para os defensores da reforma, é necessária medida de solidariedade dos aposentados – ou daqueles que sofrerão os efeitos da nova reforma – em favor do equilíbrio atuarial do sistema e, em última instância, das futuras gerações. Não parece lógico, entretanto, que dos idosos, doentes e inválidos exija-se a solidariedade de que deveriam ser, de fato, destinatários.

Noa Piatã Bassfeld Gnata, advogado, membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-PR, especialista em direito processual civil e direito previdenciário, professor de direito previdenciário na ESA/OAB-PR, ABDConst e Esmafe-PR.

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