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O refrigerante está sem gás. O iogurte está azedo. A carne está podre. Quem nunca constatou algo parecido ao abrir as compras depois de chegar do mercado? Nesse tipo de situação, o que normalmente se faz é voltar ao estabelecimento e solicitar a troca do produto ou, em casos mais graves, propor ação de indenização, resolvendo-se a questão entre o consumidor e o empresário no âmbito civil.

O que muita gente não sabe, porém, é que o artigo 7º, IX da Lei nº 8.137/90 considera "vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo" crime punível com detenção de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa. E, conforme o parágrafo único desse mesmo dispositivo, também se pune a modalidade culposa, ou seja, ainda que o responsável pelo estabelecimento não tenha agido com intenção de cometer o crime, bastando que se caracterize negligência, imprudência ou imperícia. Neste caso, a pena de detenção deve ser reduzida em 1/3 ou a de multa a 1/5.

Uma vez constatada a infração, normalmente são os sócios administradores que respondem pelo crime. No entanto, quando se trata de um estabelecimento de grande porte ou uma rede de lojas, é comum que o gerente ou o funcionário responsável pela substituição dos produtos na prateleira seja processado. Desse modo, o controle de validade e condições das mercadorias mantidas em depósito para venda ou expostas à venda deve ser constante, especialmente no que diz respeito aos gêneros alimentícios.

Até porque o processo penal nesse tipo de caso pode ser tormentoso. Há discussão quanto ao cabimento da suspensão condicional do processo (artigo 89 da Lei nº 9.099/95): parte da doutrina e jurisprudência entende ser impossível a concessão do benefício por se tratar de crime com pena mínima superior a 1 (um) ano, mas também há quem defenda a aplicabilidade do instituto, baseado no caráter alternativo da punição prevista (ou multa). Outro aspecto relevante é que, tendo em vista que a pena máxima cominada ao delito é superior a 4 (quatro) anos, não é possível o arbitramento de fiança diretamente pela autoridade policial, logo após a prisão em flagrante, cabendo somente ao juiz essa decisão (artigo 322, parágrafo único do Código de Processo Penal). Ainda considerando a pena máxima cominada ao delito, é incabível para esses casos a transação penal (artigo 76 da Lei nº 9.099/95).

Importante ressaltar que, de acordo com a jurisprudência dominante, para a caracterização do crime não é necessário que o produto vendido ou exposto à venda seja, de fato, impróprio para o consumo. Conforme entendimento majoritário do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e também do Superior Tribunal de Justiça (STJ), basta que o laudo pericial possa "explicitar o conteúdo das embalagens dos produtos apreendidos no estabelecimento (...) bem como a data de validade de algumas das mercadorias ali encontradas (...) para a comprovação da materialidade do delito" (STJ, RHC 40921/SP, Relator Ministro Jorge Mussi). Em alguns casos se aplica o disposto no art. 18, § 6º, II do Código de Defesa do Consumidor para considerar impróprios para o consumo os produtos "deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação". Mas também existem precedentes julgando ser necessário "comprovar a impropriedade, lesividade ou nocividade dos produtos destinados ao consumo, de modo a atestar que efetivamente colocariam em risco a saúde dos consumidores" (TJPR, AC 1135675-9, Relator Desembargador Laertes Ferreira Gomes), posição defendida na doutrina que considera "indispensável a realização de exame pericial para atestar que a mercadoria ou a matéria prima, realmente, pela avaliação de especialistas, é imprópria para consumo" (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. v. 1. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 536). Por outro, vale destacar que na figura "ter em depósito" é imprescindível que o objetivo seja "para vender", sem o que não se configura o delito.

Seja como for, até pela possibilidade de se punir a modalidade culposa, é importante que o responsável adote no dia a dia todas as medidas necessárias no sentido de evitar que produtos vencidos, estragados ou por qualquer razão impróprios sejam mantidos em estoque para venda ou oferecidos ao consumidor. Afinal, qualquer pessoa pode provocar a iniciativa do Ministério Público para apuração desse crime (nos termos do art. 16 da Lei nº 8.137/90) e causar muita dor de cabeça ao empresário.

Leandro Carazzai Saboia, advogado, pós-graduando em Direito e Processo Penal pela Academia Brasileira de Direito Constitucional e pesquisador do Observatório de Direito Penal Econômico da Universidade Positivo.

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