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Frequentemente retorna à pauta da sociedade brasileira a discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil. Alguns setores mais conservadores da sociedade, e também do Poder Legislativo nacional, costumam protagonizar as mais ferrenhas defesas a essa ideia. Tais debates partem do sensacionalismo de situações concretas, singulares, que não constituem uma regra geral, e muito menos explicam a condição da violência no Brasil.

Um dos grandes déficits no debate sobre a violência e, no caso específico, violência desde adolescentes é o reconhecimento das condições políticas, sociais e históricas que compõem o quadro social – de profunda vulnerabilidade – no qual tal violência se desenvolve. Outro se situa no reconhecimento da falibilidade das instituições de acompanhamento e "recuperação" de crianças e adolescentes e, ainda assim, persistência no debate pró-criminalização destes. Como se a violência fosse um efeito absoluto, mantido desde si e por si e não tivesse por trás de cada ato uma causa geradora.

Nesse sentido, defende-se um debate mais responsável e uma postura mais receptiva de toda a sociedade e, em especial, dos representantes políticos, no sentido de ouvir razões e argumentos diversos, sem preconceitos e sem antolhos da emoção, que os impedem de perceber que o problema da violência não se resolve aumentando a criminalização e o encarcerando pessoas.

O problema da violência, para ser enfrentado, requer uma mudança de postura e de consciência de toda a sociedade. É necessário reconhecer que sob toda a violência que existe atualmente, há um longo processo histórico de exclusão, marginalização e estigmatização. O destino de uma pessoa é sutilmente – e às vezes nem tão sutilmente assim – traçado desde o nascimento ou mesmo antes. A classe social, a cor, a identidade de gênero são fatores quase que determinantes sobre o futuro de uma pessoa.

Trata-se de um retrocesso, pois hoje há debates na sociedade que visam tratar crianças e adolescentes da mesma forma como se tratam os adultos. E isso é um retrocesso porque, mesmo nos tempos mais antigos, que não tinham acumulado os debates modernos sobre os direitos e nem sequer conheciam-se os direitos humanos, imperava a consciência de que as condições humanas são diferentes, são tanto mais vulneráveis quanto mais tenra for a idade: os códigos mais antigos de que se tem notícia (Manu, Lei das XII Tábuas entre outros) não aceitavam submeter esses jovens às mesmas penas que se aplicavam aos adultos.

Então, inicia-se a busca pelo lucro e crianças passam a ser inseridas nos sistemas de produção, trabalhando jornadas iguais às dos adultos, mas por salários ínfimos, que nem sequer lhes possibilitavam condições de sobreviver. A marginalização infantil se torna um grande problema, que no caso português é resolvido já em meados do milênio passado, enviando os "trombadinhas" para viver no Brasil, "moços perdidos", como diz Darcy Ribeiro, fato que era considerado um castigo na sociedade portuguesa e também um estigma: os conquistadores enviavam às Américas aqueles que não serviam à sociedade, criminosos, delinquentes, perversos.

Desprovidos de qualquer condição de vida digna e marcados pelo estigma, chegavam ao Brasil para conviver com os índios e os mestiços, duplamente negados, pois não eram reconhecidos pelo pai português e sabiam das graves moléstias de ser reconhecido pelas mães negras ou índias. A miséria e a exclusão que acometeram a sociedade desde aqueles tempos subsistem até hoje e são a causa da maioria dos atos violentos, naturalizados, não somente ao longo de uma vida, mas legados por varias gerações, entre aqueles que nascem fadados a não ter condições de acesso a uma vida melhor.

Dentre os inúmeros projetos de lei que tramitam de modo vinculado na Câmara dos Deputados, o máximo de consciência crítica que se vislumbra é o reconhecimento de que as instituições de recuperação não são capazes de cumprir seu papel. Todavia, as medidas que são propostas, longe de superar realmente esse problema, apresentam forte defesa e inclinação para o aumento dos períodos máximos permitidos de internação, persistindo no histórico erro do Poder Legislativo: crer, ou simular crer, que a legislação resolverá um problema que é muito maior e mais profundo, inclusive e especialmente, que os aspectos debatidos no próprio processo legislativo.

Francisco Duarte, advogado e procurador do estado do Paraná, é professor titular do programa de Mestrado e Doutorado em Direito pela PUCPR. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa (Portugal) e pela Universitá di Lecce.

Débora Ferrazzo é mestranda em Direito pela UFSC.

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