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 | Brunno Covello/Gazeta do Povo
| Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo

Ficha técnica

Natural de: Bom Conselho (PE)

Currículo: livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP), ex-coordenador da Faculdade de Direito da USP, doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre e graduado em direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Juristas que admira: Paulo de Barros Carvalho e Pontes de Miranda

Leu recentemente: O capital no século XXI, de Thomas Piketty; O auto da compadecida, de Ariano Suassuna

Nas horas vagas: joga tênis, bebe vinho e brinca com os dois filhos

As normas tributárias presentes na Constituição de 1988 são elogiadas pelo professor de direito tributário da USP e advogado Heleno Taveira Torres, pois são os princípios constitucionais que protegem o contribuinte e constroem a segurança jurídica necessária para o sistema. Contudo o sistema federativo precisa ser reformado de maneira urgente para se adequar às novas necessidades. Torres também destaca a necessidade de criar modos de solucionar os litígios entre a administração e o contribuinte de maneira mais rápida. O professor, que veio à Curitiba para palestra no VII Congresso Internacional de Direito Tributário do Paraná, concedeu entrevista ao Justiça & Direito e comentou sobre as mudanças no ensino jurídico brasileiro a partir de suas experiências como docente.

É falha a relação entre a administração pública e o contribuinte no país?

No Brasil, nos últimos anos, aumentou muito a competitividade tributária. Dentre os motivos, estão a melhor conscientização dos contribuintes pela busca da defesa de seus direitos e o excesso de formalismos e controles por parte do fisco, que muitas vezes geram um contencioso de massa por autuações eletrônicas. A ideia é que, ao mesmo tempo em que aumentam os conflitos, houvesse possibilidade para que o contribuinte os resolvesse o mais rapidamente possível com a Fazenda. Porque sempre que há um processo administrativo ou judicial há repercussão para o contribuinte, o que gera dificuldades para o investimento no Brasil e para o empreendedorismo. O que fazer para mudar isso?

Há uma necessidade urgente de reforma do sistema de solução de controvérsias. Na maioria dos países, tem havido interesse em ampliar o diálogo entre a administração pública e o contribuinte. O que tem que aumentar no Brasil são os espaços de possibilidade de diálogo entre administração e contribuinte, quer por meio de uma lei geral de transação tributária, quer com outras formas, como a arbitragem. O esforço da administração para realizar o máximo de controle sobre a atividade dos contribuintes é louvável, porque evita a sonegação, que é um grave problema. Por outro lado, ela também não pode com isso criar dificuldades para os contribuintes. Os princípios constitucionais são respeitados na aplicação do direito tributário?

São poucos os países que têm regras constitucionais sobre matéria tributária e nenhum com a amplitude que a Constituição brasileira possui. Isso tem um lado favorável, que é criar um espaço de proteção do direito do contribuinte, e cabe ao Estado e a seus órgãos fazendários dar cumprimento a esses princípios: proteção do direito de propriedade, de liberdade e ao mesmo tempo uma tributação justa, que respeite a capacidade contributiva e a não-cumulatividade dos tributos sobre o consumo. Esse jogo de princípios da Constituição tem de gerar segurança jurídica. À medida que eles não se concretizam, porque o Fisco descumpre até princípios basilares, como legalidade e não-confisco, é óbvio que há um déficit na aplicação da Constituição. E quanto às críticas ao tamanho da Constituição Federal?

Nosso dever é exaltá-la. Não podemos ver um mal no fato de o Brasil ter uma Constituição extremamente analítica. Isso é ótimo, porque estabelece os critérios que o Estado deve seguir na tributação, e o contribuinte sabe previamente quais são os direitos a serem respeitados pelo Estado. O Brasil tem uma Constituição muito boa em matéria tributária, que é muito importante para gerar a segurança jurídica para o mercado. Entretanto a gente percebe que há um hiato entre o que proclama a Constituição e a prática do direito tributário. Aí está o problema. Estou certo de que a Constituição está sendo cumprida, porém ela não consegue gerar o efeito que se espera porque a legislação dos tributos é muito difícil de ser aplicada. A carga tributária é um problema aqui?

O ordenamento tributário tem gerado muitas dificuldades para que as pessoas tenham entusiasmo com o empreendedorismo e vontade de investir no país. O sistema tributário não tem uma carga tributária insuportável, é uma carga muito equilibrada. Os 37% que incidem sobre o PIB, com variações ao longo da cadeia produtiva, não são o problema. O problema está em uma legislação muito antiga, muito complexa, difícil de ser cumprida e que traz para todos os atores que participam do processo muitas dificuldades.

Como conseguir segurança jurídica?

A primeira grande reforma tributária seria no sistema tributário de cada imposto. Essa reforma simplificadora e racionalizadora de cada imposto é que vai efetivamente contribuir para chegarmos a uma segurança jurídica maior para o contribuinte. A partir dessas reformas setoriais, deve vir a grande reforma tributária que é a que todos nós queremos e que envolve o federalismo fiscal e a repartição de receitas. Mas não adianta nada querer reformar essa estrutura macro sem que a modificação dos impostos se concretize. A distribuição de recursos entre os entes da Federação precisa ser revista?

A forma de repartição desses recursos tem encontrado dificuldades. Quer com relação às dividas de estados e municípios, quer com relação aos fundos de participação de estados e municípios, o sistema precisa ser melhorado, adaptando-se às novas realidades. Isso se revela muito claramente no endividamento dos entes. Não diria que a federação brasileira está em crise, mas ela precisa de uma reforma urgente que atenda a um melhor equilíbrio regional. Espero que a reforma venha para corrigir as graves distorções da guerra fiscal e dos fundos de participação, por exemplo. O Supremo tem aplicado os princípios constitucionais corretamente?

O STF tem cumprido muito bem o seu papel e tem dado respostas. Talvez não com celeridade. Eu tenho uma expectativa de mudança, porque o ministro Lewandowski disse que dará prioridade à celeridade nos julgamentos. Quanto ao conteúdo, o STF tem aplicado os princípios. É a Constituição viva, aquela que se torna eficaz a partir das decisões do tribunal que a interpreta e cria parâmetros e diretrizes para aplicação das normas. Isso amplia a capacidade do sistema de gerar respostas e soluções para os conflitos. Sempre que o STF decide a favor da Fazenda Pública, fica a sensação de que o tribunal está sendo fazendário. Eu prefiro navegar contra essa maré e dizer que o tribunal tem sido muito equilibrado. Em todas as vezes que o STF foi instado a se manifestar sobre o princípio do não confisco no caso de multas, deu respostas efetivas e aplicou o principio inclusive às multas tributárias. O ensino de direito no Brasil precisa mudar?

Eu era coordenador do curso de direito da USP até abril e acompanhei um processo de reforma da grade curricular. Examinando a grade curricular das principais faculdades americanas e europeias, percebemos que havia uma tendência em reduzir o excesso de disciplinas e conteúdos obrigatórios. O aluno com uma carga de 5.600 horas em sala de aula não consegue fazer pesquisa e prestar serviços à comunidade na forma de extensão universitária. Consequentemente, o tripé ensino-pesquisa-extensão fica prejudicado. Estabelecemos um novo modelo para o curso de direito, que está em curso de aprovação, reduzindo em 50% a carga de disciplinas obrigatórias e 50% em optativas, pesquisa e extensão. Qual deve ser a base do ensino jurídico?

O ensino jurídico brasileiro está desconectado da realidade do país. A formação do advogado não pode se basear no Exame de Ordem, as universidades não podem direcionar seus conteúdos em função de provas às quais seus alunos irão se submeter. Devemos retomar o ensino jurídico a partir de uma perspectiva humanista e crítica. O bacharel de direito não pode ser só advogado ou só juiz, mas alguém comprometido com o mundo contemporâneo e com capacidade crítica de perceber o que deve ser defendido e mudado na sociedade. Espero que o grupo montado pelo MEC para discutir o currículo do curso de direito tenha a preocupação de pesquisa e extensão da universidade, para que ela sirva à sociedade, não importa se pública ou privada. A universidade, em um país de tantas desigualdades como é o Brasil, tem que ser útil à sociedade.

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