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Ficha técnica

Natural de: Vitória (ES)

Currículo: doutor e mestre em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª região.

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A possibilidade de enfraquecimento dos direitos trabalhistas em eventual alteração legislativa preocupa o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 17.ª Região (Espírito Santo) Carlos Henrique Bezerra Leite. Autor de livros sobre processo do trabalho, Bezerra Leite critica as soluções encontradas pelos tribunais superiores para desafogar o Poder Judiciário. O magistrado veio a Curitiba para participar da V Conferência Estadual dos Advogados e fez uma palestra elogiada por todos, na qual até cantou a música "Ideologia", de Cazuza. Em entrevista à Gazeta do Povo, Bezerra Leite avaliou a situação dos direitos trabalhistas no país e criticou o ensino jurídico brasileiro. Qual é a sua avaliação da recente Lei 13.015/14, que traz alterações sobre os recursos no processo do trabalho?

Essa lei tem sua matriz intelectual no próprio Tribunal do Superior do Trabalho (TST) e transformou em projeto de lei o entendimento jurisprudencial do TST a respeito de algumas questões recursais. O objetivo central é criar critérios objetivos para que o TST possa diminuir a quantidade enorme de recursos. Não no sentido de impedir o acesso ao TST, mas de dar poucas decisões que serão vinculadas em outros processos. Em vez de o TST ficar julgando vários processos semelhantes, ele dá uma só decisão que alcança todos os outros processos. Eles vão diminuir a quantidade de sessões e vão trabalhar de maneira mais racional para uniformizar a jurisprudência e dar uma resposta que vai valer para milhares de processos ao mesmo tempo. Contudo essa reforma é cosmética, porque não vai na causa. Quer resolver o problema da quantidade de processos no TST, mas não tenta diminuir a quantidade de processos no Judiciário como um todo.

Como o senhor vê a aplicação da ação civil pública no direito trabalhista?

Acredito muito nas ações coletivas, como remédios para curar o grande mal que é a litigiosidade intensa que temos no Brasil. Infelizmente, ainda é muito tímida a aplicação desses remédios. Nós temos um antibiótico importantíssimo que pode curar o mal da litigiosidade, mas não temos médicos para ministrar esses antibióticos. Falta uma consciência coletiva, uma capacitação permanente em coletivização do acesso à Justiça, que não vemos nas faculdades de direito. São poucos os cursos de pós-graduação nessa temática, e os exames da OAB não exigem conhecimento de ação coletiva. A jurisprudência do TST por muito tempo foi renitente em admitir as ações coletivas, haja vista a famigerada súmula 310 do TST, que não reconhecia a substituição processual, que é uma das nuances da coletivização do acesso à justiça. O TST, além de por muito tempo impedir a coletivização, tinha preconceito contra as ações coletivas, porque quem promovia a substituição processual eram os sindicatos. Depois, quando o MPT passou a atuar como substituto, é que vieram mudanças significativas na jurisprudência do TST. Qual foi a maior dificuldade na passagem de procurador do trabalho para desembargador?

O Judiciário como um todo no Brasil é muito oligárquico. É muito verticalizado e infelizmente não há uma democracia interna nos moldes desejados numa República. Um Estado Democrático de Direito exige que todas as instituições sejam democráticas. Defendo a eleição direta para presidente de tribunais, já apresentei proposta de emenda regimental e por um voto a proposta não passou. Abri mão de concorrer à presidência do tribunal pela ausência de eleição direta. A eleição direta é uma forma de democratizar internamente o Judiciário para que ele possa exigir democracia externamente. Alguns falam que os direitos trabalhistas atrapalham o desenvolvimento do país. Como o senhor avalia esse tipo de pensamento?

É um discurso neoliberal extremo, que põe a culpa na parte mais fraca da relação. É muito mais fácil falar que a carga trabalhista e os impostos muito caros levam ao custo Brasil. Os salários no Brasil são dos mais baixos no mundo, só perdemos para China e Índia. O Brasil ocupa a sétima colocação dos países mais ricos do mundo de acordo com nosso PIB, e ocupamos a 79.ª posição no IDH. São poucos os países no mundo em que você enxerga essa desigualdade social que existe no Brasil. São dois grandes déficits que temos no Brasil: o déficit democrático e o déficit humanístico, e ambos estão vinculados. Democracia e direitos humanos são duas faces da mesma moeda. E o Brasil está muito longe de efetivar essas duas faces. Não há como interpretar e aplicar a Constituição quando a cultura dominante ainda está vinculada a um Estado liberal individualista. Falta sentimento constitucional em todos os três Poderes, inclusive no STF. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) precisa ser alterada?

Eu tenho minhas dúvidas se temos ambiente propício e comprometido com os direitos humanos e sociais no Congresso Nacional e se uma legislação nova vai estar em sintonia com o projeto axiológico de nossa Constituição. Se o Congresso criar um novo código do trabalho e desrespeitar os princípios e os valores constitucionais, haverá mais processos ainda. Hoje temos que fazer um upgrade hermenêutico na CLT. Aproveitar esse diploma que está aí e reinterpretá-lo à luz dos princípios e valores constitucionais. Se a própria Constituição sofre mutações, quanto mais a CLT. O problema não é de codificação. Não há ambiente propício para os direitos fundamentais sociais no Congresso Nacional. Não só no Brasil, como no resto do mundo. Sofreremos pressão dos grupos de influência neoliberal para retirar direitos que estão há 70 anos consagrados na CLT. Como o senhor avalia o ensino jurídico no Brasil hoje?

No geral, os alunos estão muito mais preocupados com a formatura do que com a formação. Os cursos de direito, com raras exceções, se tornaram projetos econômicos caça-níqueis. O país que tem o maior número de faculdades de direito deveria ter o maior respeito aos direitos humanos no mundo. Contudo parece que, quanto maior o número de faculdades de direito, mais violações de direitos humanos ocorrem no Brasil. As faculdades não estão dando uma formação teórica sólida em direitos humanos e que capacite o graduado em direito a exercer uma atividade em prol da humanidade. As faculdades se tornaram grandes polos lucrativos para empresários concentrarem mais dinheiro ainda. Nossa sociedade de democracia tardia ainda exige que o jovem curse direito para se integrar à elite. Não há pesquisa ou criação, tão-somente reproduções de doutrina alheia, com pouca reflexão nos cursos sobre os problemas do Brasil. Predomina nas faculdades de direito, que eu chamo de faculdades de legislação, uma cultura dogmática, individualista e patrimonialista, que leva à reprodução do modelo da indiferença, do descaso com os direitos sociais. Temos a cultura da "código mania", estuda-se o direito sem um olhar para fora do direito e para fora da academia.

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