• Carregando...
 | Hugo Harada/ Gazeta do Povo
| Foto: Hugo Harada/ Gazeta do Povo

O direito econômico pode contribuir não só para os interesses do capital, mas também para o desenvolvimento social. É o que defende Fernando D’Alessandro, juiz argentino que trabalha com ações relacionadas com direito comercial. Ele esteve em Curitiba no fim de 2012 para ministrar uma palestra no Centro Universitário UniCuritiba e conversou com a reportagem da Gazeta do Povo. O magistrado falou sobre a relevância de leis como as de proteção dos direitos do consumidor e a lei de falências trazerem garantias aos empregados. D’Alessandro comentou, ainda, as relações entre Brasil e Argentina e criticou a legislação protecionista de seu país.

Como o direito pode contribuir não somente para o desenvolvimento econômico, mas também social?

As possibilidades do direito para contribuir no desenvolvimento econômico e social são ilimitadas porque o direito são regras, e as regras é que vão ser um veículo idôneo para o desenvolvimento dos direitos econômicos e sociais. O direito se desenvolveu a partir do comércio. Então, a realidade comercial, a globalização, a relação interestatal entre Argentina e Brasil, por exemplo, geram novas necessidades, desafios que o direito tem de apreender e solucionar. O direito tem de estar a serviço para poder permitir o intercâmbio seguro, o desenvolvimento.

Como incentivar a preocupação com a questão social além do mínimo que as leis determinam?

Na Argentina, nós tivemos há bem pouco uma reforma na Ley de Concursos y Quiebras [lei de falências]. É uma lei que tem uma grande marca social no sentido de que o legislador tratou de cuidar dos direitos dos trabalhadores e os privilegiou, diante da quebra da empresa. Aí se tem uma forma de regular e proteger os direitos dos trabalhadores, ainda que não tenha sido feito de uma boa maneira, pois a lei está longe de ser um mecanismo que permita uma proteção no âmbito em que deveria. Mas é uma lei claramente protetiva dos trabalhadores. Todo fenômeno que estamos experimentando da lei de defesa do consumidor em distintos países está dando um ordenamento protetor a cada um nas relações de consumo, e isso está penetrando transversalmente em todos os aspectos do direito.

Faz muito tempo que existe a lei de defesa dos consumidores na Argentina?

Temos desde a década de 1990, é relativamente nova, mas está tendo cada vez mais expansão. Tivemos modificações agora e também tem uma modificação na regulação do exercício, na defesa dos direitos do consumidor com as ações coletivas ou ações de classe. Consumidores que não iniciavam uma reivindicação por se tratar de algo ínfimo, de pequena quantia, são representados coletivamente por uma associação de consumidores que, por exemplo, defende a todos os contratantes de um banco por causa de encargos indevidos no cartão de crédito que, somados, atingem cifras milionárias. Aí se tem exemplos claros da modificação das leis sociais comerciais. A limitação da responsabilidade do comerciante individual é outra questão. Agora, com o projeto de unificação do código civil e do código comercial apareceriam as sociedades unipersonais na República Argentina.

Semelhante à nova lei brasileira da empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli)?

Não conheço a legislação brasileira, mas, na Argentina, se sair como está projetada, não vai ser bom. Contudo, vai ser pelo menos um passo para acabar com a situação em que se constitui uma sociedade entre duas pessoas, sendo um o sócio real e o outro o testa de ferro, que somente participa para que o contrato seja constituído e depois desaparece. O que se está fazendo é afetar uma parte do patrimônio para não comprometê-lo todo em determinado patrimônio sem necessidade de gerar uma sociedade fictícia que seja uma sociedade de um. Estão legislando como sociedade unipersonal, mas com má regulamentação, por enquanto.

O que há de ruim nessa regulamentação, então?

A empresa unipersonal vai estar habilitada somente com uma comissão fiscalizadora de três e um diretório de três. Então, eu habilito uma sociedade unipersonal para ter uma estrutura multiplicada por seis. Quem vai constituir uma sociedade unipersonal na República Argentina? Somente as companhias multinacionais que queiram vir trabalhar no país. Não servem para o pequeno empresário.

Qual a sua avaliação da relação Brasil e Argentina no Mercosul, sendo que cada um tem as suas leis?

A avaliação é política e econômica, não é jurídica. Hoje, o Brasil é indispensável para a Argentina em termos de mercado, é a minha sensação. Não sei se a Argentina é indispensável para o Brasil. Haveria que se regular ou revisar a legislação protecionista que a Argentina está tendo, porque já está tendo consequências.

Qual sua avaliação sobre as propostas de mudança na Constituição que permitiriam, por exemplo, o terceiro mandato da presidente [Cristina Kirchner]?

Eu não sou constitucionalista, mas há um movimento bastante contrário à reforma da constituição porque parece que a reforma tem como único propósito prever a possibilidade de um novo mandato presidencial. A constituição foi reformada recentemente, não há outras necessidades de peso para reformar a constituição. Isso é um pouco do que gera resistência, a não alternância no poder. Um político cumpre seu mandato, um ou dois, como tem sido até aqui, e depois deveriam buscar uma renovação.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]