| Foto: Fotos: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Ficha técnica

• Naturalidade: Rio de Janeiro

• Currículo: graduação em Direito, mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora permanente do Mestrado Profissional em Gestão Pública da Universidade de Brasília (UnB). Pesquisadora do Centro Interdisciplinar de Estudos do Transporte UnB.

• Nas horas vagas: gosta de cinema e de literatura.

• O que está lendo: "Ventos do Deserto", de César Augusto de Oliveira; "O ano em que sonhamos perigosamente", de Slavoj Žižek; "Carta ao Pai", de Franz Kafka.

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A formação em Direito e Ciência Política e uma visão objetiva entre teoria e prática fazem a acadêmica Ana Cláudia Farranha Santana apresentar caminhos para questões sociais que levam em conta tanto a legalidade quanto a necessidade de se fazer acordos. Professora do Mestrado Profissional em Gestão Pública da Univer­si­­dade de Brasília (UnB) e estudiosa do marco regulatório dos transportes, ela considera um dos principais desafios para o transporte público no Brasil o desconhecimento que se tem dos custos do setor. Ana Cláudia defende que somente com a abertura de contas das empresas do setor é possível indicar medidas factíveis para solucionar os problemas da área. A professora conversou com o Justiça & Direito durante o III Congresso Bra­­sileiro de Direito Empre­­sa­­rial e Cidadania, promovi­­do pelo Centro Univer­­sitá­­rio UniCuritiba.

É possível por meio de incentivos ou normas legislativas modificar a maneira como os meios de transporte são utilizados no Brasil?

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Não dá para falar no marco regulatório como uma mudança de visão de mundo, ele é sempre uma solução muito pontual. Se dentro daquele setor, eu quero um comportamento X, Y ou Z de tais atores, eu ofereço os incentivos. Alguém muito crítico vai dizer: "mas isso é privilégio". Alguém que ponha mais força na dimensão institucional vai dizer: "depende, porque o que eu quero é arrumar". Por exemplo, no transporte urbano, qual o principal problema? Como se chega ao preço da tarifa? Eu estou pesquisando isso há dois anos com uma equipe multidisciplinar. Somos eu do direito e da ciência política, pessoas da economia, mais uma turma especializada em custos. Mas os empresários não divulgam custos. Então, se eu quero fazer uma arrumação, eu posso dar incentivo para que essas planilhas apareçam. Isso é muito novo do ponto de vista institucional.

E por que é necessário o incentivo? Não seria uma obrigação deles?

Essa é a discussão da institucionalidade, que está muito baseada na teoria da escolha racional, quando o sujeito que tem que cooperar racionalmente escolhe não cooperar, o que você faz? Porque só a força legal pode puni-lo, mas eu não tenho o que eu quero, que é a informação. Então, às vezes você precisa ir um pouco além da obrigatoriedade, do controle, para pensar a promoção e como a promoção constrói outra ambiência institucional.

Seriam incentivos fiscais?

Podem ser fiscais, de desempenho, de pontuação... A administração pública pode estabelecer. Eu acho que, na cultura patrimonialista do Brasil, isso pode representar uma alteração em alguns setores. Mas é tudo muito pontual e experimental. Porque pode ser que o cara tenha incentivo e fale: "Nem esse incentivo me faz cooperar".

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Aqui em Curitiba estão sendo revelados alguns custos do transporte público.

Tem que colocar no contrato e dizer que a abertura das informações está atrelada ao seu desempenho e à análise do seu contrato. A gente fez um teste para criar indicadores de desempenho para as empresas que operam um determinado serviço de transporte intermunicipal e, ao longo do período, elas vão ganhando bonificações, como certificações de que é uma boa empresa. Na verdade, isso também significa o Estado auditar o mercado e nem sempre o mercado está a fim. Talvez o incentivo possa representar um absurdo. Só que em uma tradição em que ninguém está a fim de fazer e que a racionalidade é: "Eu não vou fazer e qual é o problema?" – porque a teoria da escolha racional que é: "Racionalmente, eu posso não fazer nada e vou me dar bem" –então, quando a gente está falando de incentivo não é premiar e dizer "seja bonzinho". Isso pode ser pensado com a população. Eu tenho defendido que essas decisões sejam feitas em audiências públicas. O papel da audiência pública não é decisório, mas coloca na mesa uma questão: qual o incentivo que nós vamos oferecer para apresentarem os custos?

Há experiências desse tipo em outros países?

Algumas experiências de regulação nos EUA têm um pouco esse desenho. Mas lá também se tem outra tradição, uma tradição mais de lobby, em que o mercado não é tão dependente do Estado. A institucionalidade não consegue mudar uma cultura nacional, mas pode, a partir disso, ir arrumando alguns setores. De alguma forma na energia elétrica eles fizeram isso, teve quem não quis assinar o contrato de baixar as contas, mas eles conseguiram e tinham incentivo baseado na produtividade.

E como isso funcionaria nos transportes?

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No transporte público isso é uma cultura empresarial mesmo. É uma coisa de a própria gestão das empresas não saber os custos. Sabem a margem de lucro, mas não sabem ligar isso aos custos. A visão que eu tenho de regulação não é de autoridade no controle, é de autoridade em que todos concordem com a autoridade. A regulação é um grande acordo, em que uns ganham, outros perdem. A ideia do incentivo não é justificar o privilégio para os empresários, mas como isso traz benefícios para a população. Na democracia brasileira, que é muito frágil, que não é uma democracia do espaço público, mas da canetada, isso pode ser um experimento muito novo.

Há espaço?

Acho que há. O poder público precisa de vontade de conversar e expertise técnica. E a ideia de que uma gestão pública não está pensando apenas naquele governo mas na gestão como um todo é fundamental. A população usuária precisa de compromisso para pensar o processo com propostas que sejam exequíveis. As propostas da tarifa zero, por exemplo, têm um sentido. A gente tem experiências de tarifa zero. Aí se pode dizer: "mas tem subsídio". Ok, tem, mas tem a tarifa zero.

Mas aqui em Curitiba nós já temos subsídio sem ter a tarifa zero. Será que o Estado aguenta?

Por isso é que tem que abrir as contas. Em São Paulo estão fazendo um debate sobre isso. Há experiências pelo mundo afora em que se tem tarifa zero. Tem tarifa zero na Índia! Não é só uma questão de riqueza e pobreza. É de o movimento não ter só militância, mas oferecer sua expertise, suas propostas e dizer o que é exequível. Por isso que a gente traz a ideia daquilo que Habermas chama de esfera pública, um consenso comunicativo. Porque se vai construir, mas com base no compromisso. Uma autoridade na prática, e não uma autoridade do controle. E é preciso ver como os interesses convergem, porque só a legalidade às vezes não é suficiente.

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