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RECURSO ESPECIAL Nº 1.292.143 - SP (2011/0261932-5)

RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : ESTADO DE SÃO PAULO

ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

INTERES. : ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DE SANTA CATARINA - OAB/SC

EMENTA

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PODER

NORMATIVO DA AUTORIDADE JUDICIÁRIA. LIMITES. LEI 8.069/90, ART. 149.

1. Ao contrário do regime estabelecido pelo revogado Código de Menores (Lei 6.697/79), que atribuía à autoridade judiciária competência para, mediante portaria ou provimento, editar normas "de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor" (art. 8º), atualmente é bem mais restrito esse domínio normativo. Nos termos do art. 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), a autoridade judiciária pode disciplinar, por portaria, "a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhada dos pais ou responsável" nos locais e eventos discriminados no inciso I, devendo essas medidas "ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral" (§ 2º). É evidente, portanto, o propósito do legislador de, por um lado, enfatizar a responsabilidade dos pais de, no exercício do seu poder familiar, zelar pela guarda e proteção dos menores em suas atividades do dia a dia, e, por outro, preservar a competência do Poder Legislativo na edição de normas de conduta de caráter geral e abstrato.

2. Recurso Especial provido.

Análise

Crianças e adolescentes e o "toque de recolher"

Jimena Aranda, professora de Direitoda Criança da PUCPR e advogada

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou inconstitucional portaria que determinava o "toque de recolher" em algumas comarcas. Por estas portarias, alguns magistrados em várias cidades determinavam horários proibindo a circulação de jovens. Agiram ilegalmente e arbitrariamente os magistrados, desrespeitaram a Constituição Federal (CF) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como tratados que o Brasil firmou.

A Carta Política de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana e o direito de ir e vir, de forma que, numa análise superficial, é cristalina a inconstitucionalidade de tais decisões judiciais. Numa leitura da CF e do ECA, crianças e adolescentes têm direito ao respeito e à liberdade de locomoção, tal liberdade será limitada pelo poder familiar, exercido por pai e mãe.

A lei anterior ao ECA, o revogado Código de Menores, permitia a ingerência da autoridade judiciária sobre o destino de crianças e adolescentes – neste contexto o Estado substituia o poder paterno/materno. Redigido no berço da ditadura militar, este código considerava crianças como objetos e não sujeitos de direito.

É certo que vivemos em outra era e nosso país é uma democracia participativa. Hoje infância e juventude são prioridade absoluta. Neste ínterim família, Estado e sociedade são co-responsáveis para a garantia dos direitos e deveres relacionados a crianças e adolescentes. Sobram argumentos jurídicos que ratificam a decisão do STJ. Cabe aqui uma análise social: ao limitar horários para a circulação de jovens, o juiz está tirando dos pais a autoridade, ou seja, o poder judiciário vem "suprir" uma decisão a ser tomada pelos pais.

Como poderão os jovens aprender a usar a sua liberdade sem exercê-la? Como os pais poderão confiar nos filhos para saírem sozinhos se um juiz proíbe seu direito de ir e vir? É fato que muitos jovens que saem à noite usam drogas e praticam atos infracionais. Mas será que todos agem da mesma maneira? É certo penalizar aqueles que têm bom comportamento pelos que não têm? Será que tais coisas só se fazem no período noturno? Um juiz que substitui a vontade de um pai não enfraquece a sua autoridade? Não vivemos mais uma ditadura onde os toques de recolher são uma constante.

Será que criar filhos em redomas de vidro vai livrá-los do mal? Deixar que a vontade do juiz substitua a vontade da família não é a solução. Antes de transformarmos o problema de nossas crianças num caso de polícia, devemos pensá-los como destinatários de políticas públicas.

O Estado deve intervir, sim, com mais e melhores escolas, postos de saúde, cursos profissionalizantes e universidades para todos, acesso ao esporte e ao lazer, programas de apoio às famílias para que tenham condições dignas de criar seus filhos. Só a ação conjunta de família, Estado e Sociedade será capaz de nos trazer melhores perspectivas para uma juventude cidadã.

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