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 | Fotos: Henry Milleo/Gazeta do Povo
| Foto: Fotos: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Ficha técnica

• Currículo: graduada em Direito e em Letras português, mestre e doutora em Direito do Trabalho (PUCSP), jurista, conferencista e integrante de comissão consultiva ad hoc na Organização Mundial do Trabalho. Pós-doutora em direito (UniPg/IT); coordenou o Programa de Mestrado em Direito na Universidade Ibirapuera -SP (2004-2012).

• Nas horas vagas: gosta de ler e dançar samba.

• O que está lendo: "A filosofia explica as grandes questões da humanidade", de Clóvis de Barros Filho e Julio Pompeu.

A legislação trabalhista brasileira figura entre as mais avançadas, mas foi preciso que o legislador aprendesse a elaborar leis adequadas à nossa realidade, como explica a jurista Mara Vidigal Darcanchy. Conferencista da Organização Internacional do Trabalho, ela aponta as recentes inovações que considera relevantes na legislação brasileira. Mara foi uma das responsáveis pela introdução do conceito de teletrabalho no Brasil. Paranaense, ela vive em São Paulo desde a juventude, mas diz se orgulhar dos juristas daqui. Ela esteve em Curitiba durante o III Congresso Brasileiro de Direito Empresarial e Cida­­dania, promovido pelo Cen­­­tro Universitário Uni­­Curi­­tiba e conversou com a reportagem da Gazeta do Povo. Durante a entrevista, ela também contou que foi bailarina do Teatro Guaíra durante a juventude.

Como estão nossas leis trabalhistas em comparação à realidade internacional?

Quando estava terminando o mestrado e fui fazer pesquisa na Europa, vi que o Brasil estava adiantado em várias legislações, não só na área trabalhista, em que nós temos uma grande gama de leis com muito conteúdo e muita atualidade. Porém há uma grande dificuldade nessa área, que é a cópia de algumas leis, mas sem adaptação para a realidade do Brasil. O nosso único defeito era antigamente trazer uma lei porque tinha dado certo em outro país, mas chegava aqui e não era bem isso. Agora estão sendo criadas normas para a nossa realidade. Por exemplo, a súmula 207 do TST [tratava sobre os conflitos de leis trabalhistas no espaço], que foi cancelada há pouco tempo porque a realidade foi se adaptando pelo princípio da lei mais favorável [ao trabalhador]. O artigo 58-A da CLT [sobre trabalho em regime de tempo parcial] foi alterado para flexibilizar a lei. Nós temos, por exemplo, o artigo 6.º da CLT, em que eu trouxe o "telelavoro" da Itália, quando ainda não se ouvia falar em teletrabalho no Brasil. Com o tempo foi alterada a súmula 428 do TST, que também é referente ao trabalho a distância. Por que isso? Porque a realidade é outra agora, com o trabalho a distância, os trabalhadores estão em outro local, e há um controle desse empresário, desse empregador.

O mercado já está bem adap­­tado ao teletrabalho?

Ainda não. Eu me doutorei em 2002, defendi minha tese que era uma novidade na época. Eu trouxe o "teletrabalho" para pessoas com necessidades especiais, para os portadores de deficiência terem oportunidade de trabalho por meio do trabalho a distância. Mas os tribunais ainda não estão adaptados, porque ainda se busca uma efetividade para algumas situações que são mais raras, elas acontecem, mas não no dia a dia. Nos tribunais são as questões básicas, férias, 13.º, verbas trabalhistas em geral. Mas com questões de estrangeiros, dos trabalhadores a distância, das minorias há grande dificuldade, porque não é o comum.

Quais são as melhorias necessárias nas relações de trabalho no Brasil?

Na OIT, por exemplo, nós temos as agendas nacionais, eu trabalho com algumas regiões do país. Curitiba está de parabéns porque tem a Agenda do Trabalho Decente. Uma das questões é a responsabilidade social da empresa, com vistas a obter lucro e, ao mesmo tempo, ter cuidado no ambiente de trabalho, evitar acidentes. Em outros países, já se levam animais de estimação para trabalhar junto. Aqui no Brasil nós temos, por exemplo, ginástica laboral, que é uma novidade. Mas temos ainda uma dificuldade, talvez por falta de incentivo, que é o investimento na escravidão branca – trazer pessoas do Norte e do Nordeste e dar péssimas condições de trabalho.

Como o Brasil tem atuado no combate ao trabalho escravo, não apenas na identificação, mas na reinserção das pessoas no mercado de trabalho?

O Ministério Público do Tra­­balho, com uma grande atuação, tem feito trabalhos hercúleos. Tem trabalhado muito atrás da punição. Realmente não há muito envolvimento das empresas, porque o interesse ainda é maior no lucro do que na responsabilidade social. A dificuldade é que a OIT não tem nenhuma forma de punição. Existem normas, convenções, recomendações, mas não existem normas punitivas, sanções.

E há perspectivas de haver?

Não, porque a OIT foi o primeiro organismo internacional que entrou na ONU, foi criada no pós-guerra de 1919, criada dentro da Conferência da Paz, como um órgão tripartite, ligada a questões de prevenir mas não de punir. O punir fica para cada Estado, para cada soberania. Não existe um tribunal internacional trabalhista. O que existe é: um país evita de importar um produto de outro país "contaminado". Se ele está contaminado socialmente, evita-se que se dê apoio a uma empresa que a gente sabe que, notoriamente, explora esse tipo de mão de obra.

O presidente da OIT, Guy Ryder, esteve no Brasil recentemente. Quais as principais conclusões após a visita?

Ele falou das agendas do trabalho decente, que são as questões pontuadas para cada estado, do que é mais importante que se evite, como a prostituição infantil, e onde é preciso investir. Ele lembrou a importância de dar espaço para os grupos não governamentais, como ONGs e universidades, para que se envolvam nessas discussões para trazer soluções. Ryder falou sobre envolver mais a sociedade, porque a OIT não tem como punir, mas tem como fazer essa moção social, fazer o entendimento de que não se deixa de fazer certas coisas porque a lei pune, mas porque a sociedade vê que não está certo.

É possível, a partir das estatísticas, indicar os pontos críticos?

Eu não vou citar até por envolvimento político com governadores, prefeitos etc. Depois sai, aí dizem "Ah! Por que a doutora Mara disse isso ou aquilo?". Então, evito dizer. Todo mundo sabe as regiões onde há isso, trabalho escravo, infantil... Um trabalho recente que está sendo questionado, por exemplo, é dos mergulhadores do pré-sal e também o dos trabalhadores em confinamento, como quem trabalha no metrô. É uma das condições de trabalho que até tem uma regulamentação, mas não tem força ainda. Agora foi feita uma regulamentação para os trabalhos a céu aberto. Para os espaços em confinamento ainda não tem uma prevenção grande. Se ocorrer um acidente, para onde eles vão?

Para além do direito, o que a senhora gosta de fa­­zer?

Não consigo relaxar sem ler... E samba! Adoro dançar, fui bailarina do Teatro Guaíra e depois do Ballet Stagium, na época em que começaram a parceria com as escolas de samba, dancei samba na ponta dos pés.

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