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Ao Ministério Público brasileiro tradicionalmente se reconhece o papel de porta-voz das aspirações da sociedade, que nele deposita a guarda e a defesa dos direitos fundamentais, principalmente frente ao próprio poder público e às autoridades constituídas. Suas atribuições, por assim dizer, estão elevadas a um status de “patrimônio da cidadania”.

Soa natural, pois, que a independência funcional e a autonomia institucional do MP sirvam como o fiel da balança para a correta, eficiente e desimpedida atuação do órgão, ainda mais quando em voga a luta contra o desvio de dinheiros públicos.

Neste contexto, a Constituição Federal também assegurou a presença do Ministério Público nos Tribunais de Contas. Vocacionou, portanto, neste campo, o próprio Parquet para que zele pelo patrimônio público, combata a malversação de recursos e resguarde a boa administração pública.

A autonomia, portanto, de um órgão com a envergadura de atribuições para o combate à corrupção a partir do próprio Controle Externo da Administração Pública, é coerente com o preceituado na denominada “Convenção de Mérida” das Nações Unidas (Decreto 5687/06), que, em seu artigo 6.º, item 2, estabelece: “cada Estado Parte outorgará ao órgão ou aos órgãos mencionados no parágrafo 1º do presente Artigo a independência necessária, de conformidade com os princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, para que possam desempenhar suas funções de maneira eficaz e sem nenhuma influência indevida.”

O Ministério Público de Contas, contudo, ainda compõe, no tópico, um cenário nacional heterogêneo, variando desde uma autonomia administrativa temperada à total independência orçamentária/financeira (como requer, aliás, o “sistema” Ministério Público).

Esta irrestrita autonomia ao MPC, de seu turno, é plenamente aferível a partir da atual arquitetura constitucional. É o que defendem renomados juristas pátrios (José Afonso da Silva; Ayres Britto; Juarez Freitas; Uadi Bulos; Marco Aurélio; Néri da Silveira, Hugo Mazzilli etc.) e o próprio Conselho Nacional do Ministério Público. Deliberação do CNMP, ainda vigente, reconhece ao MPC “a natureza jurídica de órgão do Ministério Público brasileiro e, em consequência, a competência do CNMP para zelar pelo cumprimento dos deveres funcionais dos respectivos membros e pela garantia da autonomia administrativa e financeira das unidades, controlando os atos já praticados de forma independente em seu âmbito, e adotando medidas tendentes a consolidar a parcela de autonomia de que ainda carecem tais órgãos”. Na oportunidade, apoiaram a deliberação diversas entidades de representação, como Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), Associação Nacional de Procuradores da república (ANPR), Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM) e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP).

A Procuradoria-Geral da República, no entanto, retomando tese de mais de duas décadas e descompassada com o quadro acima (e com o próprio amadurecimento do tema no STF), põe agora em xeque um dos pilares da ação ministerial ao apresentar, no último dia 9 de março, a ADI 5254 (distribuída ao Ministro Luís Roberto Barroso), questionando a autonomia administrativo-financeira de mais de meio século do MPC do Estado e dos Municípios do Pará.

Uma pauta anticorrupção, com a devida vênia, deveria apontar para uma direção absolutamente oposta.

Caso se assente que o MPC, por sua essência de Parquet (objetivamente declarada no art. 130 da Constituição da República), deva ser dependente de outras esferas estatais, retoma-se, em gênero, um perigoso entendimento estrutural segundo o qual poderia o MP orbitar outros órgãos sem ter maculada a respectiva independência funcional.

Porém, não se quer crer que um discurso de unidade do MP brasileiro – ainda mais quando em jogo o combate à corrupção – passe pelo amesquinhamento de suas prerrogativas básicas de funcionamento. Mesmo sabendo-se de movimentos para unir, numa mesma vertente, os ramos do Ministério Público da União (o Militar, o Federal e o do Trabalho, por exemplo), a possibilidade do diálogo pressupõe sinergia, não a cisão ou o aniquilamento.

O Controle Externo da Administração Pública e, especialmente, o aperfeiçoamento do Ministério Público que nele atua, é que devem estar numa pauta anticorrupção do MP brasileiro.

Crê-se, firmemente, que esta será, ao cabo, a postura do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, na grandeza que lhe é peculiar, para abraçar, inclusive, Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que inclua o Ministério Público de Contas entre os segmentos do artigo 128 da Constituição Federal, ponto este, aliás, sobre o qual já se manifestou favoravelmente por ocasião da expedição de Nota Técnica do CNMP em 28 de janeiro do corrente ano.

Certamente, então, o fortalecimento institucional e a unidade do Ministério Público convergirão para o aprimoramento do controle.

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