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Desde a crise financeira de 2008, diante de orçamentos governamentais deficitários e maior controle no fluxo de capitais, encontra-se em fase de implementação uma série de procedimentos fiscais, em nível internacional, que visam coibir as práticas de anonimato e de evasão fiscal. Trata-se da também chamada nova era de Globalização Fiscal.

De um lado da mesa, encontra-se um setor público, cada vez mais necessitado de recursos fiscais ante aos seus inúmeros compromissos. De outro lado, um setor privado cada vez mais requerido a cobrir os gastos fiscais e sucessivos déficits orçamentários de seus governos.

A ONG Tax Justice Network estima em US$ 7,6 trilhões de dólares o total de riqueza global em circulação por meio de Paraísos Fiscais, sendo estes invariavelmente responsabilizados como o coração de crises financeiras e orçamentárias de ordem global. Entre os procedimentos fiscais da nova Globalização, destacam-se o regime FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), adotado pelos Estados Unidos, que se transformou no precursor de regimes semelhantes, entre eles o CRS (Common Reporting Standard), criado pela OCDE em conjunto com o G-20 e atualmente em fase de estudo e implementação por 129 países. Já o regime BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), também criado no âmbito da OCDE, tem um conjunto de regras e especificidades.

São novas ações e preceitos que objetivam a transparência fiscal e a troca automática de informações por parte dos governos. Significa dizer que todo e qualquer ativo detido por pessoas físicas e/ou jurídicas nos países que aderirem ao sistema, será objeto de obrigatória identificação e posterior informação automática ao país em que estiver seu proprietário, colocando um fim nos regimes de sigilo bancário em nível internacional. Na prática, tais regras já são implementadas por grande parte das instituições bancárias.

O fato é que o Brasil não está isolado dentro deste movimento global. A mesma ONG Tax Justice Network estima em cerca de US$ 520 bilhões o capital brasileiro expatriado entre os anos de 1970 e 2010, em razão de severas crises e instabilidades diversas de ordem econômica, política e financeira ao longo das últimas décadas. Tal valor equivale a cerca de 22% do PIB nacional e é maior que o total das reservas internacionais atualmente detidas pelo país (aproximadamente US$ 370 bi).

Assim, dadas as razões de cunho internacional, existe uma expectativa importante de implementação da legislação de declaração voluntária (voluntary disclosure) de ativos, também chamado de Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). Espera-se que, até dezembro de 2015, seja promulgada a Lei definitiva pela Presidência da República, com possíveis inclusões, vetos e/ou alterações em seu texto final a partir das votações realizadas pelo Congresso.

Na prática e diante do recente arcabouço legal internacional, trata-se de uma verdadeira janela de oportunidade, talvez a única, para aqueles cidadãos que buscaram algum nível de proteção de seu patrimônio diante das adversidades enfrentadas ao longo das últimas décadas.

Infelizmente, a preocupação imediata do governo brasileiro não parece ser outra que não apenas o seu próprio orçamento. Tal situação fica evidente diante da urgência nas discussões da matéria e do Projeto de Lei atualmente em trâmite, diante da falta de diálogo mais aberto com a sociedade e especialistas na matéria, diante das dificuldades no ajuste fiscal e, principalmente, diante das dúvidas originadas a partir de seu texto.

Entre os pontos ainda duvidosos, destacam-se o fato gerador tributário, a alíquota incidente, o valor a ser conferido aos bens repatriados, a forma de cálculo da multa, o câmbio a ser calculado (estima-se será o de 31/12/14 e não o de hoje), a necessidade de retificação das declarações fiscais de 2015, a forma de participação dos bancos na internalização dos recursos estrangeiros, os tipos de ativos (tangíveis ou intangíveis) declarados e a confidencialidade das declarações.

Existem ainda riscos bastante grandes nos casos em que a declaração for feita errada, com possibilidade de exclusão da anistia, a cobrança dos tributos e a punibilidade criminal restaurada. Riscos importantes também são relativos a outros impostos, aos riscos trabalhistas e aos direitos civis, em especial situações de ordem privada, creditícias e familiares, que poderão surgir em decorrência da adesão.

Deveria o Brasil se espelhar em práticas adotadas por outros países de forma a permitir um cenário estável e justo aos contribuintes que queiram se adequar. Ao invés disso, o objeto principal é tão somente a receita orçamentária excepcional e oportunista gerada a partir de sua adoção. Tal situação certamente permitirá abusos e inviabilizará a oportunidade de um acerto de contas entre o governo e os contribuintes.

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