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Em 07.06.2013 foi publicada a Emenda Constitucional nº 73, fruto da aprovação da PEC 544/02, pela maioria absoluta dos membros da Câmara e do Senado em quatro votações e após mais de 10 anos de tramitação. Pela EC nº 73, deliberou o Congresso Nacional em criar 4 novos Tribunais Regionais Federais, descentralizando as Cortes Federais para possibilitar atendimento a um maior número de pessoas, com mais eficiência e maior proximidade dos cidadãos.

No dia 28.06.2013, o Conselho da Justiça Federal aprovou um anteprojeto dispondo sobre a estruturação dos Tribunais Regionais Federais da 6ª, 7ª, 8ª e 9ª Regiões, estimando seus custos e registrando que a implantação seria realizada com verbas constantes do próprio orçamento da Justiça Federal.

A sua longa tramitação e a aprovação de forma inconteste como manifestação da soberania popular, após 4 votações decididas por maioria absoluta, demonstrou o funcionamento e o amadurecimento da democracia brasileira, permitindo que uma matéria de grande importância fosse exaustivamente debatida em muitas ocasiões durante cerca de 10 anos.

A Constituição Federal, entretanto, permite que mesmo as Emendas Constitucionais sejam sindicalizadas pelo Supremo Tribunal Federal, mediante julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade. Cerca de um mês após a publicação da Emenda Constitucional, uma associação que congrega uma pequena fração de procuradores federais ingressou com a ADI 5.017, sob os inusitados argumentos de que a aprovação dos 4 novos tribunais seria inconstitucional por não ter sido a PEC 544 proposta pelo próprio Judiciário e, ainda, pelo alto custo de implantação e por aumentar o trabalho dos procuradores.

Algo ainda mais inusitado que os argumentos da ADI foi o contexto da concessão da medida liminar que suspendeu a eficácia da EC nº 73. Havia alguns meses que o então presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, vinha se manifestando publicamente contra a PEC 544, atribuindo a pecha de “sorrateira” à forma com a qual o Congresso e as associações de juízes tratavam a tramitação. Eis que, durante o recesso judiciário de julho de 2013, mais precisamente no dia 17.07.2013, a referida associação de procuradores protocolou a ADI 5.017 e o presidente do STF, em plantão e poucas horas depois, concedeu medida liminar suspendendo a eficácia da EC 73.

Depõe contra o grau de civilização de uma nação o fato de um juiz bradar publicamente sua contrariedade a um determinado ato legislativo e, durante um plantão, poucas horas após protocolada uma ação contra o referido ato, conceder medida liminar para suspendê-lo. A situação se agrava ao se constatar que a decisão contrariava jurisprudência pacífica do STF sobre aspectos como pertinência temática e ausência de iniciativa do Judiciário para propor emendas à Constituição Federal.

Como o STF não é a Corte de um único juiz, havia a esperança que ao menos fosse respeitado o Regimento Interno (art. 21, V), o qual determina que a liminar em ADI concedida em plantão deve ser apreciada pelo Plenário nas sessões seguintes, obedecendo-se, assim, ao mandamento constitucional da reserva de plenário (art. 97).

Passados mais de 2 anos da concessão da liminar que suspendeu a EC nº 73, o Plenário ainda não a referendou, permanecendo suspensa a manifestação soberana do Congresso Nacional, expressa em 4 votações sufragadas pela maioria absoluta dos deputados e senadores da República.

Melhor sorte, entretanto, teve a Emenda Constitucional 88/2015, conhecida como “PEC da Bengala”, praticamente irmã gêmea da EC nº 73/2013.

Ambas emendas à Constituição Federal se originaram de propostas feitas por senadores no início do século XXI (PEC 544/02 e PEC 42/2003), tratavam do Poder Judiciário, tramitaram por mais de 10 anos, foram aprovadas pela maioria absoluta dos membros do Parlamento em 4 votações e, logo após a publicação, foram questionadas mediante ações direta de inconstitucionalidade, foram distribuídas ao mesmo ministro Relator (Luiz Fux) e tiveram decisões judiciais pouco tempo depois

Assim como a EC nº 73 era uma proposta do Parlamento para alterar o Judiciário, criando 4 novos Tribunais Regionais Federais, a EC nº 88 também era uma proposta do Parlamento para alterar a idade de aposentadoria de membros dos Tribunais Superiores, elevando de 70 para 75 anos, mediante uma nova sabatina pelo Senado.

O ministro Luiz Fux, relator da ADI 5.017, que questiona a EC nº 73, também é o relator da ADI 5.316, que impugnou a EC nº 88. Recebida esta pelo ministro em 11.05.2015, foi apreciada pelo Plenário do STF em 21.05.2015. Os ministros, por maioria, julgaram constitucional a elevação da idade para aposentadoria compulsória para si próprios, ao mesmo tempo em que se recusaram a se submeter a nova sabatina pelo Senado.

Mais interessante que o voto do ministro relator, que entendeu não haver vício de iniciativa na proposta de emenda parlamentar (argumento utilizado pelo ministro Joaquim Barbosa para suspender a eficácia da EC nº 73), foram as observações feitas pelos demais ministros durante o julgamento.

O ministro Luis Roberto Barroso, renomado constitucionalista, lembrou que deve o STF exercer um controle muito parcimonioso de emendas à Constituição. Na mesma linha, o ministro Celso de Mello enfatizou que, em se tratando de emendas constitucionais, deve o STF exercer o poder com muita prudência. Já o ministro Marco Aurélio foi assertivo ao afirmar que outra ADI contra Emenda à Constituição Federal aguarda há anos sua apreciação pelo Plenário do STF.

O julgamento da EC nº88 pelo plenário do STF, quase dois anos após a suspensão liminar da EC nº73 pelo ministro Joaquim Barbosa, põe em evidência, de forma negativa, o desrespeito que vem sendo conferido à Constituição Federal (art. 97), ao Regimento Interno do STF (art. 21, V) e, principalmente, ao Congresso Nacional e ao povo brasileiro. Revela, ademais, a existência de dois pesos e duas medidas na mais importante Corte do Judiciário do país. Admitir que a vontade de um ou dois julgadores possa subjugar a vontade do Parlamento, ainda mais nas condições inusitadas antes aventadas, é sinal inequívoco que mudanças urgentes devem ser feitas no arcabouço constitucional para se assegurar um grau mínimo de civilidade e segurança jurídica nas relações entre Poderes.

*Anderson Furlan, juiz federal, presidente da APAJUFE - Associação Paranaense dos Juízes Federais.

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