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Maurício Gomm Santos se divide entre os escritórios de Miami e de Curitiba. | Antônio More/Gazeta do Povo
Maurício Gomm Santos se divide entre os escritórios de Miami e de Curitiba.| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Com o crescimento da arbitragem como alternativa de resolução de conflitos e o aumento de transações empresariais internacionais, a atuação de advogados brasileiros fora do Brasil vem se tornando cada vez mais frequente. Mas se o mundo do direito no âmbito nacional é desafiador, fora do país é ainda mais incerto.

Para o advogado Mauricio Gomm Santos o projeto de atuar no exterior começou aos poucos. A ideia inicial era uma experiência pessoal de passar um tempo nos Estados Unidos com a família para que os filhos pudessem aprender inglês, mas isso acabou se tornando um projeto de vida mais longo e, hoje, ele tem dez anos de atuação nos EUA, com experiência como professor de Arbitragem na América Latina da Faculdade de Direito da Universidade de Miami e com escritórios consolidados na cidade norte-americana e em Curitiba.

Em uma de suas passagens pela capital paranaense, Gomm falou sobre a importância da arbitragem para resolução de conflitos e a diferença de contexto nos dois países. Sem deslumbramento, ele contou sobre os prós e contras da atuação no exterior e procurou compartilhar sua experiência com os mais jovens que pretendem apostar em carreiras fora do país.

O senhor atua bastante com arbitragem. Quais são as particularidades desse método que lhe parecem mais vantajosas?

A arbitragem entra como uma forma mais adequada para solucionar uma situação que duas partes querem que seja resolvida nos respectivos poderes judiciários de seus países. E aí a resolução não é nem Curitiba, nem Estocolmo, por exemplo. É justamente no foro neutro para resolver esses conflitos. Esta forma de resolver o conflito, no Brasil iniciou-se praticamente com a edição da Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) recentemente alterada, em 2015. Mas, nos demais países, sobretudo, nos Estados Unidos, ela é praticada comumente desde 1920. Então isso cria um conhecimento maior por parte dos americanos sobre a utilização da arbitragem e também da mediação.

Que diferenças o senhor percebe na utilização do método entre os dois países?

O que eu percebo, em termos culturais, é que na hora da discussão há uma maior preparação por parte dos americanos, do que por parte dos brasileiros. Evidentemente, nesses vinte anos de uso prático da arbitragem no Brasil, muita coisa mudou, seja na prática arbitral propriamente dita, seja no oferecimento de cursos na área da arbitragem. Criou-se uma cultura arbitral no Brasil, não tão avançada quanto a norte americana, mas é um processo de evolução que eu acho que está indo muito bem.

Quais as áreas em que o senhor mais atua nos EUA?

Eu atuo na área de infraestrutura; distribuição e representação comercial e franquia; e contratos envolvendo direitos societários. São temas que são muito afetados à resolução por arbitragem.

É quase um contrassenso, mas o profissional pode ser generalista do ponto de vista cultural e especialista dentro do ramos de atividade que pretende exercer.

Muitos profissionais do direito que têm interesse em fazer carreira no âmbito internacional. O que o senhor diria a eles sobre como ingressar neste mercado?

Outro dia escutei do governador da Louisiana uma expressão que achei interessante: “o jovem, hoje, é um cidadão global”, então ele está mais pronto para o mundo do que o jovem da geração passada. Quando me formei, bastava formar-se, eventualmente fazer uma pós-graduação e uma segunda língua; isso já me colocava em um patamar de diferença muito grande diante da concorrência. Hoje, a pessoa se forma, tem um pós graduação, fala duas, três línguas e está apto para competir no mercado, não significa que vai se sobressair. Hoje é importante ter cultura geral, a pessoa não pode ser especializada, mas bitolada. Isso traz upgrade cultural e pode fazer com que tenha mais penetração no mercado. É quase um contrassenso, mas ele pode ser generalista do ponto de vista cultural e especialista dentro do ramos de atividade que pretende exercer.

Nos últimos anos, muitos brasileiros estavam comprando imóveis nos EUA. Ainda há vantagem neste negócio?

Depois da bolha imobiliária, quando se constatou que as pessoas não podiam pagar, houve uma ruptura deste sistema e os preços todos caíram, porque houve uma oferta abissal de imóveis, sem a capacidade de pagamento e sem a capacidade de compra. Esta foi a gênese da bolha imobiliária que ocorreu entre 2008 e 2009. Nesse mesmo período, a China estava crescendo de 7% a 10% ao ano e com isso comprando commodities do mundo inteiro. O Brasil, por sua vez, estava com uma moeda forte exportando muito para a China aumentado a capacidade financeira do brasileiro. O real forte, o dólar baixo e um aumento da riqueza do brasileiro neste momento específico da economia, fizeram com que muitos brasileiros fossem aos Estados Unidos para comprar imóveis em Miami e Nova Iorque, principalmente. Junto com os brasileiros, russos, escandinavos e canadenses estão entre os maiores compradores. Miami não é um mercado de brasileiros, é um mercado mundial. Isso fez com que o mercado imobiliário de Miami se recuperasse até mais cedo que o mercado imobiliário dos Estados Unidos, justamente pelo fluxo de estrangeiros na aquisição de imóveis. Em função do aspecto cambial, hoje os brasileiros não estão comprando como compravam antes. Embora estejam investindo em imóveis comerciais que rendam na própria moeda local.

Existe muito idealismo, romantismo e imediatismo com relação a isso [morar no exterior]. As pessoas, porque enfrentam determinadas circunstâncias, acham que o vizinho é melhor.

Mas é um investimento que ainda vale a pena?

O desafio, para quem adquire o imóvel no exterior, primeiro é de bem usá-lo para justificar a aquisição. Segundo é levar em consideração os custos (impostos, condomínio e contas) e com a alteração cambial há um desafio a mais em manter este imóvel. Em contrapartida, há a valorização dos imóveis que continuam se valorizando. Portanto, a aquisição de imóveis nos Estados Unidos continua sendo um investimento interessante pois há uma valorização do bem na moeda local – a moeda americana.

Hoje, muitas pessoas no Brasil falam em sair do país, muitas falam em ir para Miami. O que o senhor tem a dizer sobre essa escolha?

Existe muito idealismo, romantismo e imediatismo com relação a isso. As pessoas, porque enfrentam determinadas circunstâncias, acham que o vizinho é melhor. Quando mora fora, você não mora no seu habitat, está longe da sua família, dos seus amigos. Seja mal ou bem, no Brasil, as pessoas têm uma identidade cultural. Quando você vai para outro país, está enfrentando e às vezes afrontando a identidade cultural local. Certo ou errado? É diferente. E como é diferente, é preciso se ajustar a essas diferenças. Você não tem, muitas vezes, o mesmo respeito que acha que teria em seu país. Existe muita frustração. Darwin dizia que não é o mais forte que sobrevive, mas o que melhor resiste às mudanças. Sejam mudanças que enfrentamos localmente ou as que temos que lidar quando mudamos de país. Como vamos lidar com essas mudanças é que define como a pessoa vai se adaptar.

E como o senhor avalia o atual momento político dos EUA com as prévias para candidatos à presidência?

No Brasil, nós temos o hábito de avaliar se um governo vai bem, quando este governo tem bons resultados economicamente. Nos Estados Unidos, não há apenas esta análise econômica para designar a qualidade do governo. Lá, a política externa é muito presente na vida do americano em função dos altíssimos custos o contribuinte americano tem ao financiar inúmeras incursões do país, seja no Oriente Médio, seja na Ásia, seja na África ou em qualquer lugar. Portanto, é discutido muito o papel dos EUA no mundo e o que isso representa para o contribuinte americano – o que nós brasileiros não levamos muito em consideração, porque mesmo a política externa do Brasil sendo importante, ela não está no seio do cidadão médio. Aqui, essa é uma discussão quase que mais elitizada. Nos Estados Unidos, é participada pelo cidadão como uma questão mais cotidiana.

Outra questão é a da imigração. Pelo fato de os Estados Unidos receberem muitos imigrantes, e a questão dos imigrantes traz muito debate neste momento eleitoral. Isso também nós não temos aqui, não é uma discussão que se escuta em um debate presidencial no Brasil. Então, esses dois pontos juntos também, com aspectos de seguridade social, programa de assistência médica para a população são pontos que fazem parte desta discussão.

Colaborou: Beatriz Peccin

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