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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Sempre muito bem humorado, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau costuma dizer que ele não é o sujeito que atuou por seis anos (2004-2010) no tribunal mais importante do Brasil. “Uma coisa são as pessoas, outra coisa são os juízes”, diz. Ele fala que é apenas um sósia daquele que foi ministro no STF e evita se aprofundar em críticas à corte, onde possui amigos que continuam a atuar.

Ainda assim, considera que os ministros pisaram na bola ao considerar possível a execução da pena a partir da decisão de segunda instância. Sobre alterações na tramitação do processo de impeachment prefere não se manifestar. Ela gosta mesmo é de falar de seus livros de literatura e da vida em Paris, onde advoga e produz pareceres jurídicos.

Eros Grau concedeu entrevista ao Justiça & Direito quando esteve em Curitiba para proferir uma palestra para estudantes da Universidade Tuiuti do Paraná. Confira como foi a conversa:

O senhor possui um livro em que explica por que tem medo dos juízes, além disso é adepto da teoria de que quem faz o direito é o aplicador. Sendo assim, o senhor tem medo do direito, já que os juízes são os aplicadores do direito?

O direito não é constituído pelo aplicador. Existe uma diferença entre o texto da lei e a norma que você extrai de dentro do texto. A tarefa do legislador, vamos dizer assim, o papel dele, acaba quando a lei surge como lei. Agora, a partir dali, ela tem de ser aplicada, e quem vai aplicar são as autoridades públicas; você, quando não mata, por exemplo, e os juízes em última instância. Então, eles tiram a norma de dentro do texto.Se você fizer essa distinção entre texto e norma, vai verificar que o Judiciário faz a norma, mas o texto é feito pelo Legislativo.

Por que o senhor tem medo dos juízes, então?

Eu tenho medo dos juízes porque eles vão além da moldura do texto. Volta e meia, eles se excedem e criam uma norma que, na verdade, não está contida dentro do texto. O texto criado pelo legislador tem margem a interpretação, mas dentro de um limite. Dentro da moldura do texto.

E qual seria essa moldura?

Essa moldura é o próprio texto. Por exemplo, atentado ao pudor público. Uma mulher que fosse à praia ou à piscina em 1944 com um maiô de duas peças cavado provavelmente seria importunada pela autoridade policial, [aquele ato] seria considerado atentado ao pudor público. Agora, uma mulher que vá hoje de topless já não é mais um atentado ao pudor. Então você percebe que o texto está lá, ele não muda. Mas a norma, que se tira de dentro do texto, vai se amoldando, vai se atualizando, porque ela é o texto mais a realidade.

Nesse sentido, o que o senhor acha da recente decisão do STF de considerar possível a prisão após a condenação em segundo grau de jurisdição, mesmo não havendo ainda o trânsito em julgado da condenação?

Eu acho que eles pisaram na bola. Eu acho que está errado isso. Mas parece que já caminha para uma mudança [de entendimento]. Eu não concordo com aquilo, mas eu tenho de seguir. Eu tenho que me submeter a isso.

Seis anos distante do STF, como o senhor vê a corte? Como está a sua relação com o órgão?

Eu não tenho relação com o órgão. Eu tenho amigos lá. Uma coisa são as pessoas, outra coisa são os juízes. Eu vejo algumas decisões que me deixam inquieto. Eu tenho uma pequena história para contar: outro dia eu estava saindo de um restaurante em São Paulo e, quando eu passei por umas mesas perto da saída, um sujeito falou: “ô, ministro”. E eu falei: “não sou eu”. Aquele cara é meu sósia, mas eu não tenho nada que ver com aquele cara que lá trabalha, eu sou outro. Então você precisa compreender a diferença entre o juiz e o ser humano, que é depois. Sartre fala no garçom. O que é o garçom? É o sujeito que traz a bandeja, que faz aquele salamaleque todo que pertence à figura do garçom. E, quando ele vai embora pra casa, ele pode ser qualquer coisa. Ele pode ser jornaleiro, pode ser leitor, pode ser pescador. Ele está cumprindo um papel. Quer dizer, o juiz, e eu prefiro falar juiz, detesto falar ministro, todos são juízes, ele cumpre um papel. E é um negócio que tem de ser cumprido dentro da Constituição e da lei. Depois disso, ele pode ser qualquer outra coisa. Ele pode conceder um habeas corpus para um sujeito que, se estivesse no bar ou no botequim, ele mataria, porque é um sujeito de que ele não gosta, mas como juiz ele tem de cumprir a lei. A Constituição e a lei. O problema é quando os juízes começam a ir além.

O senhor não acha que o STF inovou com a mudança da tramitação do impeachment?

Sem comentários. Pula essa questão.

O senhor ainda tem Paris como sua cidade preferida ou continua na triangulação entre São Paulo, Tiradentes e Paris?

Continuo, graças a Deus. Paris não é minha cidade preferida, mas é talvez o lugar em que eu me sinta mais à vontade, porque Paris não é uma cidade, é um conjunto de várias pequenas cidades. Cada bairro, cada quartier, é na verdade uma pequena cidadezinha. A história que eu conto é sempre a seguinte – vamos esquecer Tiradentes, porque Tiradentes é uma cidade pequena – vamos pensar em São Paulo. Em São Paulo, eu moro perto da Rua Augusta, na Rua Bela Cintra, entre a Estados Unidos e a Oscar Freire. Eu desço do meu prédio, se eu andar 100 metros, atravessar a rua e for atropelado, eu vou parar no Hospital das Clínicas, ninguém vai saber quem eu sou. A família que vai ter de me procurar e vai me achar lá. Se eu descer em Paris no lugar onde eu moro, lá nós temos um pequeno apartamento, e se eu for atropelado, dentro de um minuto vai chegar: “Eros está ali, Eros está ali”. Eu faço parte daquela comunidade, é como se fosse uma pequena cidadezinha. Não vou ser um desconhecido abandonado. O jornaleiro me conhece, o cara do bar, o do café. Se eu sair e passar no café e depois a minha mulher passar por ali, vão dizer: “ele passou agora há pouco por aqui”. Você não é um número, você é gente. Lógico que, se eu for pra um outro bairro, é a mesma coisa como em São Paulo. Mas ali no meu quartier eu sou alguém, então é por isso que eu gosto de Paris.

Então, Paris, mesmo sendo uma grande cidade, tem atrativos de cidade pequena?

A diferença entre a sociedade e a comunidade. Em Paris você vive naquela pequena comunidade, com aquelas pessoas que te conhecem, que te acolhem, que te acodem, todo mundo é amigo. Isso é maravilhoso. Hoje em dia isso é cada vez mais difícil. Na comunidade as pessoas se envolvem umas com outras enquanto seres humanos. Se fosse numa cidade do Rio Grande, seriam aquelas pessoas sentadas em uma roda de chimarrão. Isso não existe numa cidade grande.

E lá o senhor tem se dedicado mais a quê?

Lá eu tenho um escritório de advocacia, onde faço pareceres e me dedico à literatura. São as coisas que eu gosto de fazer.

E qual será seu próximo livro?

A(s) mulher(es) que eu amo, que são vários contos. Na verdade, eu só amo uma mulher. Eu só amo a minha mulher, realmente ela é a minha melhor amiga. Mas na literatura você escreve o que você quiser.

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