O juiz Sergio Moro criticou dois projetos de lei propostos por um parlamentar do PT que, na opinião dele, seriam um retrocesso para a Operação Lava Jato e para a punição de poderosos em geral. Moro participou de uma conferência durante o XII Simpósio Brasileiro de Direito Constitucional na noite de quinta-feira (26), em Curitiba.
O PL 4372/16 propõe a proibição de colaboração premiada por pessoas que estejam presas. E o PL 4577/16 pretende a suspensão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê a prisão de réus após a decisão no segundo grau de jurisdição. As duas propostas são do deputado Wadih Damous (PT/RJ). Sem citar o nome do parlamentar, mas apontando o partido, Moro chamou atenção para a “coincidência” de os dois projetos serem do mesmo autor.
Fazendo uma comparação com a Lava Jato, o juiz chamou atenção para o momento em que a Operação Mãos Limpas, da Itália, passou por um enfraquecimento. “Em determinado ponto, a Mãos Limpas perdeu o apoio da opinião pública. E a reação do poder político foi com leis, como as que proibiam certos tipos de prisão cautelar ou que reduziam penas”, destacou o Moro.
Ele demonstrou preocupação de que haja uma tentativa de “retorno do status quo de impunidade dos poderosos”.
Lava Jato
Logo no início da palestra, o juiz afirmou que sua fala não se referia à Lava Jato, mas que faria uma reflexão sobre os casos já julgados. Ele relembrou que foram cerca de 10 ações penais envolvendo contratos da Petrobras com empresas fornecedoras e em cerca de sete ações foram condenados dirigentes de empresas fornecedoras e alguns diretores da estatal. Só um agente da Petrobras devolveu US$ 98 milhões.
Para ele, o que mais assusta é a corrupção como rotina. “A corrupção existe em qualquer lugar do mundo. Mas é a corrupção sistêmica não é algo assim tão comum”.
Ele também relembrou que em diversos depoimentos foram citadas taxas fixas entre 1% e 2% de propina nos contratos. “parece um pouco prosaico, mas no fundo é uma propina tabelada”, observou.
O juiz disse ainda que lhe causou “certo desalento” constatar que dois agentes políticos do caso do mensalão continuaram a receber propina durante o julgamento da Ação Penal 470 no STF. Ele classificou ainda os depoimentos de Alberto Youssef e de Paulo Roberto Costa como “um tanto quanto aterradores” e disse que tudo que eles falaram está sendo verificado.
Após traçar esse panorama, o juiz questionou: “Como chegamos a esse ponto? O que deu errado?”
Na opinião de Moro, uma parcela de culpa dessa realidade de corrupção generalizada pode estar no próprio Processo Penal brasileiro. “Talvez o excesso de leniência tenha nos levado a chegar no quadro atual”, sugeriu o juiz, e completou: “Não adianta ter um belo Código Penal, tipos penais de corrupção, uma produção acadêmica belíssima, bons livros... Funciona mesmo?”
Críticas
Moro foi o último a falar durante a conferência. Mas, sem citar seu nomes, os três juristas que o precederam teceram duras críticas durante suas exposições a posturas adotadas pelo magistrado.
O advogado penalista René Ariel Dotti criticou a antecipação da execução da pena. “Nós advogados somos conscientes de que justiça tardia é injustiça. E a opinião publica não pode tolerar a impunidade. Mas deve haver na atuação da magistratura meios para impedir procedimentos indevidos das partes”.
O professor de direito penal da FGV Direito-Rio Thiago Bottino defendeu o direito ao silêncio do réu. Na opinião dele, medidas como a condução coercitiva e a prisão cautelar são um erro, pois, ao se constranger a liberdade do investigado, ele acaba por ficar fragilizado opta pela delação. “Pobre do país onde a acusação dependa do réu”, criticou.
Bottino apresentou jurisprudência do STF sobre condução coercitiva: após a Constituição de 1988, o entendimento é de que se o sujeito não comparece para depor é porque quer ficar calado. Apenas em um caso em que o investigado já tinha uma condenação por latrocínio de 20 anos, em segundo grau, é que se entendeu que a condução coercitiva era necessária.
Em um tom mais mordaz, o professor de direito penal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alexandre Morais da Rosa disse que no Brasil há vários tipos de processo penal, dependendo o juiz, da vara e de diversos outros fatores que vão além da lei. “Nesse país, o juiz não leva a sério a legalidade”, criticou.
Morais também reclamou da falta de isenção e de juízes que “jogam para um dos lados”. Fazendo uma comparação com o futebol disse: “Eu não posso ter um juiz que joga com a camisa do coxa embaixo da toga”.
Durante sua fala, Moro comentou alguns dos tópicos daqueles que os precederam. Ele disse que defende a discussão de diferentes posicionamentos desde que com “tolerância e respeito ao pensamento alheio”.
O juiz argumentou que “em praticamente todo lugar do mundo tem prisão preventiva”. E sobre a execução da pena a partir da decisão de segundo grau ele observou que até mesmo nos Estado Unidos, considerado o “berço da presunção de inocência”, as prisões são realizadas após o primeiro julgamento.



