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Para Moro, informações reveladas em delações são “aterradoras”. | Antônio More/Gazeta do Povo
Para Moro, informações reveladas em delações são “aterradoras”.| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

O juiz Sergio Moro criticou dois projetos de lei propostos por um parlamentar do PT que, na opinião dele, seriam um retrocesso para a Operação Lava Jato e para a punição de poderosos em geral. Moro participou de uma conferência durante o XII Simpósio Brasileiro de Direito Constitucional na noite de quinta-feira (26), em Curitiba.

O PL 4372/16 propõe a proibição de colaboração premiada por pessoas que estejam presas. E o PL 4577/16 pretende a suspensão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê a prisão de réus após a decisão no segundo grau de jurisdição. As duas propostas são do deputado Wadih Damous (PT/RJ). Sem citar o nome do parlamentar, mas apontando o partido, Moro chamou atenção para a “coincidência” de os dois projetos serem do mesmo autor.

Debate de Direito com clima de show

Quem passasse pelo Teatro Guaíra na noite de quinta-feira (26) poderia pensar que ocorria um show ou espetáculo teatral no local se ouvisse os aplausos e manifestações efusivas da plateia. Mas era um simpósio de Direito Constitucional. Com o teatro absolutamente lotado, Sergio Moro foi recebido com gritos e aplausos ao ser anunciado; e foi ovacionado de pé antes mesmo de falar. Ele alegrou ainda mais a plateia quando, após sua palestra, recebia mais aplausos e, depois já ter voltado à mesa dos debatedores, levantou e fez um aceno discreto. Os gritos e vivas aumentaram. Entre os espectadores mais animados, havia um grupo de pessoas com bandeiras no Brasil nas costas.

Curiosamente, os outros palestrantes - Thiago Bottino, Alexandre Moraes da Rosa e René Dotti - que participaram da conferência também foram bastante aplaudidos durante suas falas, especialmente em comentários sobre questões que são diametralmente opostas ao que Moro defende (leia ao lado). Mesmo assim, não houve ataques entre os que pensavam diferente na plateia.

Também foi bem aplaudido o comentário do jurista Thiago Bottino que ao cumprimentar a presidente da mesa lamentou que só houvesse uma mulher na composição daquele grupo de debate.

Fazendo uma comparação com a Lava Jato, o juiz chamou atenção para o momento em que a Operação Mãos Limpas, da Itália, passou por um enfraquecimento. “Em determinado ponto, a Mãos Limpas perdeu o apoio da opinião pública. E a reação do poder político foi com leis, como as que proibiam certos tipos de prisão cautelar ou que reduziam penas”, destacou o Moro.

Ele demonstrou preocupação de que haja uma tentativa de “retorno do status quo de impunidade dos poderosos”.

Lava Jato

Logo no início da palestra, o juiz afirmou que sua fala não se referia à Lava Jato, mas que faria uma reflexão sobre os casos já julgados. Ele relembrou que foram cerca de 10 ações penais envolvendo contratos da Petrobras com empresas fornecedoras e em cerca de sete ações foram condenados dirigentes de empresas fornecedoras e alguns diretores da estatal. Só um agente da Petrobras devolveu US$ 98 milhões.

Para ele, o que mais assusta é a corrupção como rotina. “A corrupção existe em qualquer lugar do mundo. Mas é a corrupção sistêmica não é algo assim tão comum”.

Ele também relembrou que em diversos depoimentos foram citadas taxas fixas entre 1% e 2% de propina nos contratos. “parece um pouco prosaico, mas no fundo é uma propina tabelada”, observou.

O juiz disse ainda que lhe causou “certo desalento” constatar que dois agentes políticos do caso do mensalão continuaram a receber propina durante o julgamento da Ação Penal 470 no STF. Ele classificou ainda os depoimentos de Alberto Youssef e de Paulo Roberto Costa como “um tanto quanto aterradores” e disse que tudo que eles falaram está sendo verificado.

Após traçar esse panorama, o juiz questionou: “Como chegamos a esse ponto? O que deu errado?”

Na opinião de Moro, uma parcela de culpa dessa realidade de corrupção generalizada pode estar no próprio Processo Penal brasileiro. “Talvez o excesso de leniência tenha nos levado a chegar no quadro atual”, sugeriu o juiz, e completou: “Não adianta ter um belo Código Penal, tipos penais de corrupção, uma produção acadêmica belíssima, bons livros... Funciona mesmo?”

Críticas

Moro foi o último a falar durante a conferência. Mas, sem citar seu nomes, os três juristas que o precederam teceram duras críticas durante suas exposições a posturas adotadas pelo magistrado.

O advogado penalista René Ariel Dotti criticou a antecipação da execução da pena. “Nós advogados somos conscientes de que justiça tardia é injustiça. E a opinião publica não pode tolerar a impunidade. Mas deve haver na atuação da magistratura meios para impedir procedimentos indevidos das partes”.

O professor de direito penal da FGV Direito-Rio Thiago Bottino defendeu o direito ao silêncio do réu. Na opinião dele, medidas como a condução coercitiva e a prisão cautelar são um erro, pois, ao se constranger a liberdade do investigado, ele acaba por ficar fragilizado opta pela delação. “Pobre do país onde a acusação dependa do réu”, criticou.

Bottino apresentou jurisprudência do STF sobre condução coercitiva: após a Constituição de 1988, o entendimento é de que se o sujeito não comparece para depor é porque quer ficar calado. Apenas em um caso em que o investigado já tinha uma condenação por latrocínio de 20 anos, em segundo grau, é que se entendeu que a condução coercitiva era necessária.

Em um tom mais mordaz, o professor de direito penal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Alexandre Morais da Rosa disse que no Brasil há vários tipos de processo penal, dependendo o juiz, da vara e de diversos outros fatores que vão além da lei. “Nesse país, o juiz não leva a sério a legalidade”, criticou.

Morais também reclamou da falta de isenção e de juízes que “jogam para um dos lados”. Fazendo uma comparação com o futebol disse: “Eu não posso ter um juiz que joga com a camisa do coxa embaixo da toga”.

Durante sua fala, Moro comentou alguns dos tópicos daqueles que os precederam. Ele disse que defende a discussão de diferentes posicionamentos desde que com “tolerância e respeito ao pensamento alheio”.

O juiz argumentou que “em praticamente todo lugar do mundo tem prisão preventiva”. E sobre a execução da pena a partir da decisão de segundo grau ele observou que até mesmo nos Estado Unidos, considerado o “berço da presunção de inocência”, as prisões são realizadas após o primeiro julgamento.

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