Muito mais que colaboradora voluntária nas horas vagas, como afirma o prefeito Barbosa Neto ao repelir as denúncias contra a esposa, a primeira-dama Ana Laura Lino Barbosa – colocada no olho do furacão pela investigação da Operação Antissepsia – tinha livre trânsito na Secretaria de Saúde, acessava documentos internos da Ouvidoria e era conhecida como "madrinha da saúde", tamanha a influência exercida no meio. É o que confirmam funcionários municipais, conselheiros da saúde, ex-secretários, informantes do Ministério Público e pessoas próximas ao governo municipal ouvidas pelo JL – e que só aceitaram falar no anonimato.

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No inquérito policial da Operação Antissepsia, Ana Laura aparece em dezenas de situações demonstrativas do alto grau de influência que teria na gestão. Indiciados que confessam a participação no esquema detalham a presença de Ana Laura em intermediações de pagamentos, trocas de cheques e decisões que, acredita o Ministério Público, eram lastreadas pelo próprio prefeito Barbosa Neto. "Evidentemente, segundo se conclui, Ana Laura Lino, que não ocupa nem nunca ocupou qualquer função pública na Administração, personificava o próprio marido, Homero Barbosa Neto", diz trecho do documento enviado ao Tribunal de Justiça pelos promotores.

"Tudo indica, aliás, que o sistema implementado por Barbosa Neto era o de determinar a seus asseclas e a sua mulher que agissem nos bastidores, estabelecendo relações espúrias com outros agentes públicos e particulares, com o fim de arrecadar valores destinados sobretudo à futura campanha de reeleição ou mesmo para seu próprio enriquecimento ilícito."

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Vários ramosA atuação permanente de Ana Laura, argumentam ex-secretários ouvidos pelo JL, estendia-se por vários ramos da gestão, embora o local onde a primeira-dama fez-se notar fosse a saúde pública. "Sempre a víamos indo de secretaria em secretaria e a primeira-dama tinha total visibilidade. O que todo mundo percebia é que ela ficava muito próxima, principalmente, da saúde", afirma um ex-membro do primeiro escalão da Prefeitura.

"A primeira-dama tinha não só uma presença forte como pedia muito para os secretários", reforça outro ex da gestão municipal. Os pedidos constantes de Ana Laura, acredita o ex-secretário, seriam parte importante do desgaste de diversos secretários diante do prefeito. "Eram coisas impossíveis e que faziam todo mundo bater de frente com o prefeito. Quase 99% do que ela pedia não dava para atender e todos eram chamados a se explicar". Como alguns secretários não "abriam brecha" para a atuação de Ana Laura na pasta, os pedidos chegavam por intermédio da chefia de gabinete, antes exercida pelo atual secretário de Planejamento Fábio Góes. "Ela mandava o Fábio para fazer pressão. Ele vinha e falava: precisamos atender a Ana Laura nisso e naquilo. Sou portador de um pedido, vê se dá prá atender", relembra. Ex-secretários não escondem que a presença permanente de Ana Laura era motivo de desconforto para funcionários do primeiro e segundo escalões que não atendessem de pronto pedidos da primeira-dama. "Tinha que segurar porque ela cobrava firme. Cadê isso, cadê aquilo? Ela é explosiva: "P..., assim não dá!", reproduz uma fonte, sobre como Ana Laura reagia às dificuldades da gestão.

Motivo de comentários e queixas informais

Um mês antes de a Operação Antissepsia vir a público, um dos promotores já conhecia, por comentários e queixas informais de altos funcionários, sobre a atuação voluntária de Ana Laura à frente da Secretaria de Saúde. O assunto, entretanto, era tratado de forma fechada pelo Ministério Público.

Segundo funcionários ouvidos pela reportagem, Ana Laura acessava documentos públicos internos com frequência e obtinha com facilidade respostas oficiais a reclamações na Secretaria de Saúde. O mesmo ocorria com as informações produzidas pela Ouvidoria da Saúde, bem como por quase 40 gerências e 9 diretorias da secretaria, além de dezenas de coordenadorias, fontes de relatórios e dados sobre o setor.

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"Era tudo oficial. Todo mundo encarava como normal o fato de ela ter acesso aos documentos. Até porque, para nós, foi repassado que ela era a ‘madrinha’ da saúde, que tínhamos com quem contar para resolver os problemas. Era essa a mensagem que vinha do gabinete", lembra uma funcionária de um setor estratégico da saúde municipal.

Segundo eles, respostas requisitadas pela Ouvidoria a órgãos internos da Saúde eram enviadas ao gabinete do prefeito – de onde a primeira-dama acessava. Entre as informações que Ana Laura tinha à mão, segundo os funcionários, estavam as elaboradas pela Diretoria de Avaliação, Controle e Auditoria (Daca) - setor responsável por inspecionar contratos, rotinas de internação em hospitais e checar o volume de atendimentos em postos de saúde municipais. "Mas nunca produzíamos documentos diretamente para ela. Porém, o recado claro era de que a Ana Laura quem pedia", conta um outro funcionário. Ele mesmo diz não ter dúvidas de que a primeira-dama despachava rotineiramente de uma das salas anexas ao gabinete do prefeito. "Ela chegou para ajudar a secretaria. Se ela se impunha, era mandona, não sei. Mas que tinha uma salinha lá dentro do gabinete, tinha. A gente sempre entrava lá para encaminhar documentos e o gabinete enviava para ela."

No site, "madrinha da amamentação"No dia 9 de maio, o site da Prefeitura de Londrina trazia em destaque uma notícia sobre o incentivo à amamentação na rede de postos de saúde da cidade. No texto com foto, diante de funcionários do Ministério da Saúde e de diversos setores da secretaria, a primeira-dama, Ana Laura Lino, é chamada de "a madrinha da amamentação".

‘Tour’ da saúde com envolvidos

A interferência da primeira-dama nos assuntos da Secretaria de Saúde chegou ao ápice no começo deste ano, quando Ana Laura Lino visitou postos de saúde e unidades de atendimento na companhia de Ricardo Ramirez, o advogado-biólogo implicado diretamente na Operação Antissepsia.

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Segundo um funcionário da Secretaria, entre janeiro e fevereiro, Ramirez e a primeira-dama visitaram o Pronto Atendimento Infantil (PAI), o Pronto Atendimento Municipal (PAM) e a Unidade Básica do Jardim Leonor (zona leste) para um "tour" que visava apresentar a ele o sistema de saúde de Londrina. Foi nesse contexto que Ramirez passou a ser reconhecido como uma espécie de "intermediador" da saúde que "seria o elo entre a Secretaria de Saúde e o gabinete do prefeito".

Ramirez era, também, um dos que pressionava o Instituto Atlântico a pagar R$ 300 mil em propina pela obtenção do contrato de saúde – em parceria com Rui Nogueira. A intermediação de Ramirez, conta o funcionário, serviria para auxiliar a Secretaria a desemperrar processos burocráticos, já que a pasta sofria a falta de poder decisório. A funcionários, o próprio ex-secretário de saúde Agajan der Bedrossian chegou a fazer ironia com a presença de Ramirez, que seria "o sucessor dele", segundo fonte do JL. Agajan não aceita dar entrevistas.

Reuniões em sala separada

A primeira-dama Ana Laura Lino Barbosa teve forte atuação no período pré-eleitoral e fazia parte do "núcleo duro" da campanha de Barbosa. Entre os colaboradores identificados como muito próximos a Ana Laura está o publicitário Ruy Nogueira. "Ele não só fez parte da campanha como se reunia com a Ana Laura em uma sede discreta da campanha próximo à Avenida Maringá", detalha um ex-colaborador de Barbosa. "Era um local para as reuniões da cúpula". Na casa alugada para a campanha, uma sala era reservada aos encontros mais importantes – geralmente entre Barbosa, Ana Laura e o próprio Ruy Nogueira. "Ninguém entendeu de onde ele veio porque simplesmente surgiu de repente. A Ana ficava na sala de altas decisões, junto com o Ruy", atesta o informante.