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Laços familiares

Veja casos recentes de pessoas que entraram no serviço público por serem parentes de políticos ou que se beneficiaram por estarem próximas do poder:

Fábio Luís Lula da Silva

Filho do ex-presidente Lula

Até novembro de 2003, ano em que Lula assumiu a Presidência, o "Lulinha", como é chamado, era monitor de zoológico e recebia salário de R$ 600. Durante o governo do pai, tornou-se sócio da produtora de jogos eletrônicos Gamecorp, que, com capital de apenas R$ 100 mil na época, recebeu investimentos de R$ 15 milhões da Telemar, a maior empresa de telefonia do país.

Gustavo Morais Pereira

Filho do ex- ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento

Arquiteto de 27 anos, Gustavo viu uma de suas empresas, a Forma Construções, saltar de um capital de R$ 60 mil para mais de R$ 50 milhões – um aumento de 86.500% – após fechar negócios com a SC Carvalho Transportes e Construções, beneficiária de verbas do Ministério dos Transportes. A esposa de um dos sócios da companhia foi nomeada chefe do Dnit no Amazonas e em Roraima.

Cláudia Queiroz Guedes

Mulher do presidente da Câmara de Curitiba, João Cláudio Derosso

Dona da agência Oficina da Notícia, Cláudia venceu o processo licitatório aberto pela Câmara em fevereiro de 2006 com a finalidade de contratar duas agências de publicidade por um ano. Cláudia era funcionária comissionada do Legislativo municipal quando participou e venceu a licitação, o que é vedado pela Lei de Licitações. O parlamentar nega qualquer irregularidade.

Famílias Requião e Richa

Parentes do ex e do atual governador

Roberto Requião (PMDB) colocou vários parentes no governo: a mulher Maristela, os irmãos Eduardo e Maurício, além do sobrinho João Arruda. Beto Richa (PSDB) foi pelo mesmo caminho. Nomeou como secretários a mulher, Fernanda, e o irmão José Richa Filho. Além disso, seu filho Marcelo e Maria Christina Andrade Vieira, tia de Fernanda, foram nomeados em cargos na prefeitura de Curitiba, hoje comandada pelo vice de Beto na época de prefeito, Luciano Ducci (PSB).

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Herança

Nepotismo vem da colonização

"Um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la." Para o jornalista e escritor Eduardo Bueno, esse velho chavão explica em boa parte porque o nepotismo persiste no Brasil há séculos. Bueno explica que o nepotismo marca o Brasil desde os primeiros anos da colonização, quando os portugueses decidiram dividir o país em capitanias hereditárias. "Obviamente, os donatários não escolhiam inimigos para ocupar os cargos de poder dentro da capitania. Desde então, prevalecem o compadrio, o clientelismo e o nepotismo trazidos de Portugal."

Ele argumenta que não basta os brasileiros perceberem irregularidades desse tipo no dia a dia por meio dos jornais. É preciso ter a consciência de que, se isso ocorre há 500 anos, já está na hora de corrigir o problema.

Há pelo menos uma dezena de livros e textos publicados na internet levando o título "A família em primeiro lugar", bordão que é praticamente uma unanimidade entre a população. No geral, não haveria nenhum problema em seguir a regra ao pé da letra, se, no Brasil, aqueles que assumissem um cargo público não decidissem beneficiar parentes graças ao poder que passam a ter em mãos.

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Historicamente o poder público no país é visto como uma possibilidade de enriquecimento. Cientistas políticos e historiadores argumentam que esse tipo de mentalidade se perpetua devido a fatores como a fraqueza das instituições públicas e a impunidade.

Nos últimos tempos, têm se tornado cada vez mais comuns denúncias de parentes de políticos que enriqueceram abruptamente a partir do momento que o familiar entrou na vida pública (leia quadro). Da mesma forma, passou a ser quase praxe cargos públicos serem ocupados por parentes de governantes, mesmo com a aprovação da Súmula 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), que, desde agosto de 2008, proíbe a contratação para cargos de confiança de parentes de até 3.º grau por agentes públicos – somente a nomeação em cargos de secretário e ministro ficou de fora da proibição.

Instituições fracas

O historiador Marco Antonio Villa, da Universidade Federal de São Carlos (SP), é taxativo ao afirmar que o Brasil não é um país politicamente sério. Segundo ele, o princípio básico de que, no serviço público, não deve haver qualquer forma de relação comercial que envolva parentes é ignorado sem nenhum constrangimento. "No Brasil, o poder é visto como um momento ou possibilidade de enriquecimento. Isso não ocorre em um país sério", critica, ressaltando que esse é um problema que atinge os três poderes. "Infelizmente, estamos mais para República das Bananas do que para termos instituições democráticas de fato consolidadas."

O professor de Ciência Política Ricardo Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), segue a mesma linha de pensamento e argumenta que a estrutura política brasileira permite a formação de redes de cumplicidade e troca de favores entre os poderes. Na visão dele, a falta de fiscalização é um dos principais causadores desses problemas. "Muitas vezes, quem deveria fiscalizar é quem mais se beneficia das irregularidades. Nos Tribunais de Contas, por exemplo, os conselheiros devem favores políticos ao Executivo e ao Legislativo, são quem os elegeram", critica. "Essa fragilidade institucional tende a se perpetuar por meio do nepotismo, que gera poder, influência e dinheiro. Quem tem isso nas mãos se reelege e se reproduz."

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A impunidade também é destacada por eles como um dos vilões na luta contra o nepotismo – legal e ilegal. Para Villa, as leis brasileiras são boas na teoria, mas não funcionam na prática. "A impunidade é o maior mal da democracia brasileira. O máximo que os escândalos geram é um pedido de demissão, eventualmente a anulação de um contrato, mas não mais que isso", ressalta.

Soluções

O historiador afirma ainda que a oposição tem um papel importante para evitar que o poder familiar continue prevalecendo na política nacional. "Quem estiver na oposição precisa associar atos de corrupção à falta de determinado serviço público. Quando um buraco na pista provocar quatro mortes num acidente, por exemplo, é preciso mostrar que isso está na conta do ministro dos Transportes e da presidente, que o nomeou", defende.

"Todos esses problemas não são para desestimular, mas para estimular o aprimoramento da democracia e o aperfeiçoamento das instituições", afirma Oliveira. "Precisamos tirar do papel princípios constitucionais da impessoalidade, transparência, probidade. Precisamos de um país real e não de um país legal, que só existe no papel e na cabeça dos juristas."

Interatividade

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Como reduzir o nepotismo e o favorecimento de parentes no poder público?

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