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A política trabalha com símbolos. As coisas significam algo além da sua aparência. Basta pensar nos nomes de partidos brasileiros.

O depoimento de Lula, a rigor, não seria tão misterioso, com notícias que fecham cada vez mais o círculo ao redor do ex-presidente e com a polícia apenas seguindo a lei. Já o significado deste símbolo vai muito além da mera descrição.

Apesar de a lei ser clara quanto à corrupção e existirem provas abundantes sobre o enriquecimento de Lula através das empreiteiras que mantiveram o PT no poder, a tradução de seus atos para a linguagem jurídica é o elo perdido que ainda não conseguiu desatar todos os nós no Brasil.

Uma investigação tão significativa sobre um ex-presidente também é fato inédito no país. Não se trata mais de mais um ladrão sendo investigado, num país absurdamente corrupto e violento: trata-se do presidente que teve a maior popularidade da história pela primeira vez ficando abaixo da lei (o que seria o esperado para todos). Nunca antes na história deste país.

O significado de tal cena é muito maior do que sua definição jurídica, como o significado das palavras não pode ser fechado e vedado em um dicionário.

O depoimento marca uma torção de 180 graus na narrativa política média brasileira. O “partido da ética”, como o PT se autodenominava na década de 1990, hoje ganha uma ironia risível. As supostas conquistas sociais hoje se comprovam mera manipulação econômica – o que todos os liberais sabiam, contra o estatismo que só produziu pseudocrescimentos e crises reais cobrando a fatura – algo como imprimir dinheiro. A polarização do país entre ricos e pobres mostrou que os pobres não querem apenas migalhas comidas pela corrupção e inflação, enquanto os ricos que dizem defendê-los estão encastelados em universidades e bons empregos públicos inacessíveis às camadas baixas da população.

Se antes jornalistas não ousavam falar do PT sem repetir uma farsa sobre “democracia” e “conquistas sociais”, hoje a palpitaria fica cheia de dedos cuidadosos justamente para não parecer ter sido deslumbrada e enganada ao acreditar nas propagandas de marqueteiros, hoje tão presos quanto os tesoureiros do PT.

Também fica em xeque a desculpa tão repetida no país, a do “eu não sabia de nada”, que manteve votos na base do puro carisma e do malabarismo econômico. O carisma do esmolismo causa recessão e mesmo o povo mais carente exige ética, ao contrário do que dizem os acadêmicos.

O significado de Lula na PF mina todo o discurso triunfalista de um partido-mentalidade escorado na ideia de que é “o povo” contra “a elite” (outrora “burguesia”, hoje “classe média”, usada como um curioso sinônimo de “elite”). Já avisara Paul Johnson: “Nada atrai mais intelectuais do que o sentimento de que eles representam ‘o povo’. Nada, via de regra, é mais distante da verdade”.

Basta ver também o simbolismo de Lula depondo no aeroporto. A desculpa de todo petista, de que “a classe média” não gosta do PT por nojo de Lula ser tão bom ao ponto de entupir aviões de pobres, se torna risível com o dólar a R$ 4 e Congonhas em peso exigindo a prisão do ex-presidente. A militância apareceu, mas não é povo: até deputados do PCdoB estavam lá. São tão “povo” quanto Marcelo Odebrecht.

São os significados do seu depoimento que qualquer um pode ver – exceto, claro, se alguém ainda acredita em João Santana.

Flavio Morgenstern é analista político, escritor e palestrante. Autor de “Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs” (ed. Record).
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