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As lágrimas, ao que parece, já acabaram, mas a tristeza, não. Em uma conversa de uma hora e meia, Hélcio Lopes Vieites e Rosa Cristina Fernandes Vieites revelaram intimidades sobre a vida da família e do filho, João Hélio Vieites, morto brutalmente há uma semana e meia, por sete quilômetros após um assalto em Oswaldo Cruz. Durante a entrevista, os pais desnorteados alternavam momentos de exaltação com outros onde pareciam estar num lugar diferente.

Num dos momentos mais emocionantes, Rosa disse que "queria apenas voltar para casa naquela noite". No desabafo feito junto com Hélcio, eles pedem que a população não esqueça, após o carnaval, o drama que eles viveram e falta de segurança que impera na cidade. A conversa também trouxe muitas lembranças sobre a vida em família e uma revelação: Joãozinho pode ter pressentido pela manhã o que aconteceria com ele durante a noite. Segundo a mãe, no dia de sua morte, o filho fez um desenho no colégio. Após uma atividade, Joãozinho desenhou um jogo de amarelinha com um bonequinho dele, brincando. Em cima, uma nuvem com uma seta e outro bonequinho com o nome dele. Quando a professora perguntou o significado, ele disse apenas: "Sou eu, cheguei no céu".

O desabafo foi feito na casa onde a família morava, na Piedade, e trouxe à memória lembranças dos momentos felizes que o casal viveu no local, junto com o filhos João e Aline, que está tendo ajuda de um psicólogo. A bela casa tem dois andares, piscina, churrasqueira e dois quartos. Construída de acordo com o gosto da família, ela é segura, num condomínio tranqüilo, mas já estava vazia. Nos quartos, apenas caixas de papelão lotadas.

No quartinho que o menino dividia com a irmã, sobraram apenas alguns adesivos do Buzz Lightyear - o personagem do filme "Toy Story" que Joãozinho mais gostava.

A mudança já está pronta. A família vai morar no Méier, numa casa com três quartos - comprada especialmente para os filhos terem um quarto para cada um. A venda por enquanto está suspensa, mas os pais não conseguem mais entrar na casa e lembrar dos momentos felizes que passaram lá.

- Você tem medo que agora, com o Carnaval, as pessoas possam esquecer o que aconteceu com a sua família e não lembrar que a cidade está caótica, cheia de problemas?Rosa Cristina Fernandes Vieites: Tenho medo sim. Gostaria até que a população do Rio de Janeiro e do Brasil inteiro colocasse nos seus carros uma fita preta amarrada em cada retrovisor, e pendurassem nas janelas de casa um pano preto. O Carnaval é uma festa popular característica do Rio de Janeiro e o povo costuma esquecer tudo o que está acontecendo quando vem esse momento de alegria. É uma fuga que o carioca usa para esquecer os problemas. Mas o brasileiro tem que encarar que o crime é errado e tem que ser punido. Essa leis que reduzem para um sexto as penas, entrando no semi aberto, depois no aberto não podem existir. Eles (os bandidos) já sabem que têm benefícios, ou seja, tudo leva ele ao crime. Tem que se investir em educação também, mas isto é a causa. Temos que combater a causa e a conseqüencia. Investir na segurança é imediato. O investimento na educação é corretíssimo, mas a longo prazo. Agora o presidente diz que não podemos fazer mudanças sob comoção nacional, então o que ele vai fazer? nada? E se fosse o filho dele, o que ele faria, qual seria a solução? Deveria ter um investimento pesado na área de segurança, com construção de presídios de segurança máxima para colocar todos esses criminosos na cadeia mesmo, em regime fechado. A partir do momento que eles se virem punidos, eles vão pensar duas vezes antes de cometer os crimes. Está tudo a favor da bandidagem, parece até que eles não estão governando para o cidadão. Estão governando para os marginais. Parece até que é um país sem lei.

Hélcio Lopes Vieites:- Essa grande proporção que a tragédia tomou, sendo comentada até pelo presidente Lula e com a possibilidade de mudar uma lei. Como é que vocês estão vendo isso tudo?Rosa: A gente vê que algumas autoridades até tem intenção real de fazer algumas alterações na legislação para tornar o código penal mais rigoroso, mais justo, diante de tantos crimes, até por esse momento que o Rio de Janeiro está passando. O governador (Sérgio Cabral) parece ter propostas bem interessantes para uma alteração da legislação. Mas é importante também que todos os bairros sejam favorecidos por isso. Não adianta investir em carros e policiais e tudo ser remanejado para a Zona Sul. A situação está caótica, a gente não vê policiais nas ruas. Depois desse crime que alcançou uma proporção muito grande, eles deveriam pensar em não deixar acontecer de novo. Mas você vê que não tem carros na rua circulando, continua da mesma forma.

- O que vocês acharam do comentário do presidente dizendo que a gente não pode agir no calor da emoção?Hélcio: Eu fiquei muito triste de ler uma reportagem do presidente Lula, onde ele falava que não deveríamos agir nesse momento de comoção. Ele colocava os infratores, em especial o menor que participou do crime, como um coitado. Ele acha que não é justo reduzir a maioridade em cima dele, quando na verdade não se trabalhou o menino na infância. Mas, como uma pessoa de 16 anos é capaz de eleger um político, um presidente, e não é capaz de assumir juridicamente pelos seus atos, seu comportamento? Eu fiquei triste com essa declaração do nosso presidente da república, porque toda a cidade se mobilizou e ele parece que não entendeu o que está acontecendo. A frase do Lula é uma amostra do descaso que os políticos têm com a sociedade, ele foi muito infeliz. Queria saber se a socidade tem a mesma opinião que a dele, de que um dia vai ser com dez, com nove, com sete e qualquer dia é um feto na barriga da mãe que vamos querer punir. Queria saber se o povo também acha isso. Foi um absurdo o que ele falou.

Rosa: Se eu tiver que falar na cara do Lula que ele foi muito infeliz com essa declaração, eu falo. Se tiver que falar na cara dele que é um absurdo, eu falo. Queria fazer a seguinte pergunta: e se fosse o neto dele, o filho dele? O que ele faria, que punição passaria pela cabeça dele?

- Mas vocês têm acompanhado essas manifestações de carinho que pessoas de todo o Brasil estão enviando, de todas as formas possíveis?Rosa: Temos sim. É um conforto muito grande, eu acho até que as orações estão nos dando forças para conseguir caminhar, levar a vida. Foi uma mudança total. Nós sempre vivemos em função dos nossos dois filhos, fazíamos tudo com eles dois e de repente um deles se foi. Era uma criança alegre, brincalhona, divertida, que contagiava com a alegria dele. E de repente, a troco de nada, morreu da forma que foi. É uma coisa que dói muito.

- Você acha que o João pode vir a ser considerado um mártir? Alguém que será responsável por uma mudança para o país?Hélcio: Era esse símbolo que agente queria, porque eu acho que está mais do que no momento de mudar. As poucas vezes que a gente se locomoveu depois do que aconteceu, viu que nada mudou. Não vemos um carro de polícia, continua tudo a mesma coisa na rua. A gente continua abandonado, a sociedade continua abandonada, principalmente a Zona Norte da cidade, que fica a margem de qualquer tipo de abordagem dessa natureza.

- E vocês pretendem, de alguma forma, lutar para que as coisas mudem?Rosa: A gente gostaria que a população se unisse me manifestações para cobrar. Se nos for dada a oportunidade de fazer esses pedidos direto para as autoridades, a gente vai colocar os nossos desejos. Estamos procurando alguém possa dar um apoio, para ver o que pode ser mudado em legislação, pedir que essas alterações sejam feitas. Queremos fazer com que a população se una para que eles se sintam pressionados a agir.

- Vocês estiveram na presença do governador do Estado, do secretária de Segurança, do comandante da Polícia Militar. Eles falaram com vocês, entenderam seu sofrimento, mas...Hélcio: Gostaria até de fazer uma observação sobre o ato na Igreja da Candelária, o momento em que o governador foi vaiado. Não que eu condene a atitude das pessoas, mas talvez elas tivessem envolvidas pela emoção também e a gente muitas vezes não pensa um pouco. Ele assumiu agora, mas a proposta inicial é mudar.

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