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“A sociedade brasileira é de uma permissividade enorme e isso é mais enfático nos políticos.” Luciana Veiga, professora de Ciências Políticas da UFPR | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
“A sociedade brasileira é de uma permissividade enorme e isso é mais enfático nos políticos.” Luciana Veiga, professora de Ciências Políticas da UFPR| Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo

Astorga

MP investiga criação de supersecretaria

Marcos Paulo de Maria, do Jornal de Maringá Online

Maringá - O Ministério Público está investigando a criação de "supersecretarias" pela prefeitura de Astorga, Noroeste estado. De acordo com o promotor Lucílio de Held Junior, o prefeito Arquimedes Ziroldo (PTB) fez uma manobra, por meio de uma lei aprovada pelos vereadores, para que a mulher Maria Edna Guizilini Ziroldo ocupasse a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social, que engloba os departamentos de Educação; Saúde; Cidadania e Desenvolvimento Social; Cultura e Turismo; e Esporte e Lazer.

"Quatorze departamentos foram suprimidos nessas três secretarias. A prática não é ilegal porque os vereadores aprovaram a lei, mas é totalmente imoral. Os diretores dos antigos departamentos foram mantidos e o salário da esposa do prefeito ultrapassa os R$ 5 mil. Vencimento muito alto para uma cidade como Astorga. Estamos investigando o caso e estudando a hipótese de instaurar uma ação civil pública", disse o promotor.

Por meio da assessoria de imprensa, a prefeitura informou que não houve criação de supersecretarias, mas a implantação de uma reforma administrativa que já estava prevista no plano de governo apresentado à população. Segundo a assessoria, houve redução dos 229 cargos comissionados para 58 com as novas secretarias. Os cortes teriam trazido redução de custos no pagamento dos funcionários em aproximadamente R$ 50 mil por mês.

A nomeação de parentes para o primeiro escalão dos governos municipais e estadual mostram que normas não funcionam automaticamente. Elas dependem de mudança de valores para que possam ser respeitadas. Essa é a opinião de especialistas consultados pela Gazeta do Povo.

Na avaliação da professora de Ciências Políticas Luciana Veiga, da Universidade Federal do Paraná, o fato de muitos políticos aderirem à exceção prevista na Súmula Vinculante n.º 13 mostra que há uma tendência cultural em se privilegiar as relações sociais em detrimento das regras. "Esses dados precisam ser lidos de uma perspectiva cultural. Ocorre aquilo que é chamado de ‘familismo amoral’, que é a tendência que se tem de privilegiar parentes e não seguir as normas", explica Luciana. "A sociedade brasileira é de uma permissividade enorme e isso é mais enfático nos políticos."

A professora considera que, ao editar a súmula mesmo abrindo exceções, o STF transmitiu a mensagem da proibição de contratar parentes sem concurso público. Luciana Veiga entende que a alocação de parentes em primeiro escalão acabou por ser um "jeitinho" de acomodar parentes na administração pública, o que pode não infringir a súmula, mas ofende o conceito que levou à sua edição. "Isso demonstra que é mais custoso mudar práticas por meio de regras, quando você ainda precisa mudar a cultura."

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada (Ipea) Felix Garcia Lopez Jr., autor de uma tese de doutorado sobre deputados estaduais do Rio de Janeiro e indicações para cargos de confiança, afirma que o problema do nepotismo ocorre em todo o país e em vários poderes. Ele cita como exemplo os acontecimentos recentes no Senado, em que o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), não só admitiu ter intermediado a contratação de pelo menos uma sobrinha, lotada no gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-RS), como justificou sua atitude e questionou os colegas. "Qualquer um dos senhores senadores aqui nunca deixou na vida de cumprir ou de ajudar pessoa que lhe pediram que legalmente tomassem providências", disse o senador, na ocasião.

Embora o nepotismo persista, diz Lopez, nos últimos dez anos parece estar ocorrendo um movimento progressivo contrário à prática, que vai ganhando aceitação. Ele avalia que a súmula vinculante antinepotismo do STF, mesmo com a exceção que abre para cargos políticos (de ministros, secretários estaduais e municipais), foi uma boa tentativa de coibir a prática. "As regras atuais tem um impacto considerável na redução do nepotismo, ainda que não tenha plena eficácia." Lopez considera que no âmbito federal foi onde a súmula teve seu maior impacto, enquanto que nos níveis estaduais e municipais, nos quais o controle social é menor, é mais fácil que a prática ocorra.

Lopes afirma que era bastante previsível que houvesse tentativas de burlar a súmula do STF. "Vai ter um movimento (de políticos) nos próximos anos que vai continuar a tentar burlar as regras, mas a mudança nos valores sociais e as tentativas de controle serão importantes para barrar essa prática. Desse ponto de vista, é importante que imprensa esteja atenta, levantando dados sobre o assunto."

Para Lopez, cabe agora maior controle social e uma mudança cultural para reduzir o nepotismo no país. "Essas mudanças que estão ocorrendo são indícios de nova moralidade, um fato importante para consolidar novos valores."

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