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Curitiba – Cidadãos acima de qualquer suspeita envolvidos em crimes raramente descritos em boletins policiais precisam considerar cada vez mais o risco de serem presos durante arrastões acompanhados por todo o país. Com nomes curiosos como Alcatéia, Big Brother ou Clone, as operações da Polícia Federal viraram rotina nos últimos meses. Empresários, vereadores, prefeitos e deputados aparecem nas cenas de flagrante. No balanço geral dos presos, um dado chama a atenção: o número de funcionários públicos detidos. Só neste ano, 164 funcionários do governo e de empresas estatais foram para a cadeia, 27% do total de 606 presos em ações especiais desencadeadas entre janeiro e junho.

Não são tantos servidores, uma vez que só o número de funcionários de confiança do governo federal passa de 19 mil. Por outro lado, o saldo de janeiro a maio superou o do ano passado inteiro. Em 2004, a Polícia Federal prendeu 134 empregados públicos, de um total de 703 detidos. No ano anterior, os números eram ainda menores: 97 servidores entre 223 presos.

A Polícia Federal faz uma análise preocupante desse quadro. Como os 8 mil policiais federais não conseguem dar conta de todas as denúncias, outras operações foram adiadas. Isso significa que, se o déficit estimado em 12 mil policiais fosse sanado, o número de presos seria bem maior. Sem se identificar, sob o argumento de que a divulgação de seus nomes pode prejudicar as investigações futuras, policiais federais de Brasília garantem que os números não dão uma dimensão dos crimes cometidos por funcionários públicos, apesar das investigações terem sido concentradas no setor.

A mesma experiência vivida na última semana pela empresária Eliana Transhesi, proprietária da luxuosa loja paulista Daslu, foi enfrentada por oito prefeitos alagoanos em maio. Acusados de desviar R$ 2 milhões da merenda escolar, eles tiveram que acionar dezenas de advogados para recuperar a liberdade. Em outro episódio, mesmo não sendo alvo de uma operação específica, um deputado federal – João Batista Ramos da Silva (PFL–SP) – entrou para a lista de funcionários públicos detidos pela Polícia Federal, no último dia 11. Ele ainda tenta provar a origem de R$ 10 milhões que estavam em sete malas apreendidas em Brasília.

As reações começam a surgir. As prisões de servidores públicos não vão resolver o problema da corrupção no setor público, rebate o diretor-executivo da Coordenação Nacional das Entidades dos Servidores Federais (CNESF) Pedro Armengol. Ele argumenta que o fato do governo preencher cargos públicos usando critérios políticos expõe o setor a infiltrações de criminosos. O diretor aponta a terceirização de serviços como agravante.

O governo Lula criou cerca de 20 mil cargos através de medidas provisórias. O aumento no número de servidores foi de 3,9% entre 2002 e 2005. De acordo com a CNESF, 16 mil dessas vagas poderiam ser preenchidas através de concursos públicos.

"Boa parte dos servidores públicos presos não passou por concurso, foi nomeada", diz Armengol. Ele cita o caso da operação Curupira, que prendeu 101 no Mato Grosso, na primeira semana de junho. "Os principais envolvidos foram indicados por políticos e atendiam aos interesses dos grupos que representam." A operação desmontou um esquema de extração e transporte ilegal de um volume de madeira avaliado em R$ 890 milhões. Entre os presos, estavam o secretário do Meio Ambiente do Mato Grosso, o superintendente do Ibama e o presidente Fundação Estadual do Meio Ambiente.

Para o defensor dos servidores públicos, as operações da polícia federal mostram que "o Brasil precisa de uma reforma administrativa". "Se não houver uma reforma ou uma mudança nas nomeações, a polícia federal vai continuar prendendo servidores públicos o resto da vida", argumenta. Segundo Armengol, a entidade não combate as investigações para não acabar defendendo culpados, mas considera a determinação do governo ineficaz.

Entre os 164 servidores detidos, consta apenas um policial federal. Ele foi preso em Maringá, em maio, durante a operação Hidra, a maior ação da história da Polícia Federal no combate ao contrabando. A corporação mobilizou 750 agentes e delegados, quase 10% do efetivo, e prendeu 67 pessoas. Os policiais envolvidos – incluindo 11 policiais rodoviários do Paraná, 1 policial rodoviário federal e quatro policiais militares do Mato Grosso do Sul – teriam feito vistas grossas ao contrabando de R$ 30 milhões por mês em mercadorias que vinham do Paraguai.

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